Por Júlia Beduschi
Bióloga e mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Trabalha junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF) da mesma instituição
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No mês de agosto de 2019, o Brasil e o mundo observaram o grande desastre ambiental na Amazônia: os incêndios criminosos que queimaram mais de 20 mil hectares. O número de queimadas aumentou em 83% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Uma explicação para esse grande aumento de focos de incêndio na região é a política antiambiental do atual governo, a partir da qual fazendeiros se sentem acobertados para cometer tais delitos.
O ciclo do desmatamento ocorre assim: primeiro cortam-se as árvores que possuem maior valor comercial e, após as toras serem levadas embora, coloca-se fogo no terreno para “limpar” a área. Assim, a área que antes era uma floresta úmida fica pronta para ser convertida em pasto para a agropecuária ou para o plantio de monoculturas, principalmente para a produção de soja.
Qual é o problema ambiental que essa prática econômica causa? Além da perda direta de biodiversidade, causa a intensificação das mudanças climáticas devido à redução da capacidade de retirada de CO² da atmosfera, a mudança na dinâmica do regime hídrico em todo o Brasil e mais atropelamentos da fauna (sim, é isso mesmo!).
O que as rodovias têm a ver com isso?
As rodovias são as maiores responsáveis pela locomoção de pessoas, bens e serviços no mundo todo. Ou seja, onde há rodovia há circulação de pessoas, chegada e escoamento de carga – mesmo nos lugares mais remotos. Logo, as rodovias são um vetor de desmatamento, pois facilitam a chegada de pessoas em lugares que antes eram inacessíveis. Na Amazônia, 75% dos desmatamentos ocorreram ao longo das rodovias asfaltadas. Um exemplo disso é o asfaltamento das rodovias Belém-Brasília e Cuiabá-Porto Velho, que hoje fazem parte do arco do desmatamento.
Mas e os atropelamentos? Agora, a relação entre uma coisa e outra pode estar mais clara. Se a floresta está em chamas, os animais que são capazes de perceber e fugir a tempo do fogo vão se dispersar rapidamente levando a um aumento no número de atropelamentos nas rodovias (como já mencionamos).
Assim, ampliamos nossa visão das etapas importantes para o ciclo do desmatamento: quanto mais estradas, mais acesso. Quanto mais acesso, mais desmatamento. Quanto mais desmatamento, mais fogo. Quanto mais fogo, mais atropelamento. Está tudo conectado, um impacto dessa grandeza gera uma reação em cadeia em tantos níveis, que perceber as relações nem sempre é fácil ou óbvio.
Ainda as perspectivas para os próximos anos não são boas. O governo federal, além de desvalorizar as ações de conservação na Amazônia, tem planos de expandir a malha viária na região. Onde isso vai parar?