Por Giulia Dorneles Barbieri de Campos
Graduada em Ciências Biológicas com ênfase em Biologia Marinha e Costeira pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Trabalha junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF) da mesma universidade
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Existem dois tipos de coleções: as didáticas e as científicas. As primeiras servem para ensinar sobre o material biológico nas faculdades, colégios e em ações de educação ambiental, enquanto as outras são um testemunho do material biológico servindo de ferramenta de estudo para diversas pesquisas científicas. Existem coleções de ossos, pelos, penas, tecidos e do corpo inteiro “empalhado” (através de taxidermia ou plastinação). Ou seja, todo material pode ser aproveitado.
Nesse sentido, os atropelamentos de fauna causam a morte de muitos animais ao longo das rodovias, o que disponibiliza constantemente material biológico para ser aproveitado em coleções científicas – evitando, portanto, a necessidade de ir a campo e sacrificar animais.
Os atropelamentos não são e nunca vão ser algo a se comemorar e, por isso, há diversos estudos e tentativas para mitigar este impacto. Porém, enquanto os atropelamentos continuarem sendo uma realidade, poderemos (e devemos) utilizar o material biológico disponível para servir de base para pesquisas científicas. Coletar dados sobre o registro e enviar o material para coleções que incluam as carcaças em seu acervo ajudam a contribuir para o avanço da ciência e para ações de educação ambiental.
Ao redor do mundo existem diversas coleções que utilizam em seu acervo as carcaças dos animais encontrados atropelados, sejam elas coletadas através dos monitoramentos de fauna atropelada ou durante o trajeto de pesquisadores e de cidadãos comuns que cruzam essas vias. Em alguns casos, é possível aproveitar todo o material biológico, dependendo do estado de conservação do espécime atropelado.
Para os estudos que fazem o levantamento do número de atropelados na rodovia, a coleta das carcaças para as coleções poderia ser um ponto negativo, visto que interfere na análise do estudo e torna-se parte dos erros associados (remoção). No entanto, é possível georreferenciar o ponto em que a carcaça foi encontrada e identificar a ocorrência da espécie para a região, podendo assim minimizar os erros de análise causados pela remoção e alimentar os demais bancos de dados.
Alguns exemplos de estudos utilizando esse material podem ser citados, como o que já abordamos que investiga o uso das carcaças para extração de substâncias químicas aplicadas a tratamentos à saúde humana. Também é possível avaliar e identificar os efeitos dos atropelamentos na população dos animais através da coleta de DNA, além de propor estratégias de conservação para a espécie – principalmente no caso dos mamíferos que têm reprodução lenta e a perda de poucos indivíduos pode causar efeitos devastadores.
Como forma de educação ambiental, há a realização de exposições desse material. Essa é uma forma de sensibilizar a todos os usuários da rodovia, principalmente os motoristas, quanto aos atropelamentos.
O objetivo das coleções é de preservar a biodiversidade, dando suporte às atividades desenvolvidas. É evidente que o ideal é evitar os atropelamentos e diminuir os impactos das estruturas viárias. Mas como por muitas vezes o impacto é inevitável, é bom saber que isso pode resultar na continuação de outros estudos. (In)diretamente, esse material ajudará na conservação das espécies, pois quanto maior e mais explorado for o acervo de espécimes em coleções, faremos o melhor uso possível dessa “tragédia” nas rodovias.
É fato que é preciso conhecer para proteger. A disseminação de conhecimento através da educação ambiental muito se faz com materiais de coleções.