Por Fernanda Zimmermann Teixeira
Bióloga, mestre e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Análise e Modelagem de Sistemas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e integrante do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF) da UFRGS
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Falamos e pensamos muito na mortalidade de fauna em rodovias, que é um impacto que tem o potencial de afetar fortemente a persistência das populações. Além disso, ninguém gosta de ver carcaças de animais mortos na estrada quando está viajando por aí… Porém, quando não há animais mortos em uma estrada, outros efeitos desse tipo de empreendimento podem estar ocorrendo sem percebermos.
Embora a ausência de mortalidade seja muitas vezes interpretada como ausência de impacto, existem pelo menos duas situações nas quais a ausência de animais mortos pode estar mascarando efeitos negativos de infraestruturas lineares. Nesta semana, publicamos, em colaboração com outros pesquisadores da península Ibérica, um artigo no periódico Global Ecology and Conservation fazendo um alerta sobre essas possíveis interpretações e apresentando exemplos de várias situações em que isso pode estar ocorrendo.
A primeira dessas situações é quando as populações animais já diminuíram muito no entorno de uma estrada devido à mortalidade na via causada no passado. Ou seja, se uma estrada existe há vários anos, muitos animais já podem ter sido atropelados ao longo do tempo e isso pode ter afetado bastante as populações. Se isso ocorreu em função do atropelamento, hoje em dia poucos animais mortos serão encontrados naquele local simplesmente porque as populações animais do entorno podem ter diminuído.
Um exemplo desse fenômeno ocorreu com a população de quoll-oriental (Dasyurus viverrinus) do entorno de uma estrada que foi duplicada na Tasmânia (Austrália). Após a duplicação da estrada, o número de atropelamentos aumentou, mas logo em seguida diminuiu muito e a população se extinguiu no entorno da rodovia.
A segunda situação ocorre quando a estrada é uma barreira aos movimentos dos animais, seja porque eles relutam em atravessar a área aberta com a estrada ou o próprio tráfego de veículos, seja porque não conseguem cruzar porque a estrada é um obstáculo físico. Por exemplo, o esquilo-vermelho-do-monte-graham (Tamiasciurus hudsonicus grahamensis), uma espécie arborícola, não consegue atravessar de um lado a outro da floresta em função da presença de clareiras criadas pela presença de estradas. Outro exemplo é como as ferrovias são uma barreira ao movimento de tartarugas-de-caixa-oriental (Terrapene carolina).
O que podemos fazer então?
Em primeiro lugar, precisamos ter em mente que infraestruturas lineares causam uma série de impactos nas populações animais e, mesmo quando não há mortalidade direta evidente em uma estrada, é possível que outros impactos precisem ser mitigados. Em segundo lugar, é necessário integrar dados de longo prazo sobre a mortalidade em estradas com dados da abundância local das espécies e seus padrões de deslocamento para ter um melhor entendimento sobre os efeitos das estradas nos animais.