
Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
andreaskindel@faunanews.com.br
Nas últimas semanas, em virtude do Projeto de Lei que tramita na Câmara dos Deputados, houve um bombardeio de notícias reproduzindo o número assombroso, para muitos, de 475 milhões de animais mortos nas estradas brasileiras todos os anos. Não é demais? Isso é muito? Será que é tudo isso mesmo? Como esse número foi obtido? São perguntas que recorrentemente aparecem nos comentários de páginas que divulgam essa estimativa.
Independente se o número é esse ou significativamente maior ou menor, ele representa apenas a mortalidade de vertebrados. Sem dúvida é uma tragédia, que precisa ser combatida com todas as nossas energias. Mas os vertebrados são uma parcela pequena da nossa biodiversidade.
E o que acontece com os invertebrados, em particular com os insetos? Quem já não teve o seu para-brisa impregnado com o que restou de uma miríade de formas de insetos?
O artista Brasileiro Vick Muniz, inspirado por uma experiência como essa numa viagem pela Flórida, durante o voo de acasalamento dos insetos-do-amor (lovebugs), produziu uma série de quadros usando os insetos mortos na estrada para reproduzir posições do Kama-Sutra.
Mas as consequências dessas colisões vão muito além da inspiração artística. Poderíamos imaginar que insetos, quando comparados à maioria dos vertebrados, tem ecologias (tamanho de população, tamanho de prole, tempo de geração, entre outros aspectos) que tornam as suas populações menos suscetíveis aos efeitos da mortalidade em rodovias. No entanto, acumulam-se evidências de severas reduções de populações locais de diversos insetos em virtude da mortalidade em estradas, e que essas perdas podem ter efeitos em processos ecológicos tão importantes como a polinização. Não esqueçamos que 2/3 das espécies de plantas que consumimos dependem de polinizadores animais, predominantemente insetos.
Infelizmente, no entanto, os estudos com a mortalidade de insetos em rodovias, em particular de insetos polinizadores, ainda são raros. Em uma revisão recente publicada na revista Biodiversity and Conservation, em março de 2015, Pilar Tamayo Muñoz e seus colaboradores encontraram apenas 50 artigos publicados em 46 anos e apenas sete deles abordando os polinizadores.
Além de nos preocuparmos com os vertebrados, temos razões suficientes para começarmos a avaliar padrões de mortalidade de invertebrados. Mais do que isso, temos um desafio interessante para nossa criatividade e capacidade de inovação: demonstrada a relevância da mortalidade de insetos, como mitigá-la?