
Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
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Você pode até não se ligar na carnificina de vertebrados e invertebrados que acontece todos os dias nas rodovias brasileiras. Talvez até não se importe com essas mortes de animais nas estradas. Pode até achar revoltante a magnitude dos recursos investidos em estratégias para minimizar as interações da fauna com as estradas, considerando as tantas outras necessidades de manutenção ou qualificação das nossas vias. Entretanto, dificilmente não se sensibilizará com o sofrimento das pessoas que perderam bens, recursos financeiros ou tiveram familiares ou amigos feridos ou mortos em colisões entre veículos e animais nas pistas do Brasil afora.
Mas afinal, qual a dimensão das perdas econômicas relacionadas aos danos materiais, perdas de vidas, qualidade de vida ou relações de afeto, produtividade ou capacidade de trabalho, entre tantos outros impactos negativos, resultantes dessas colisões?
Até há pouco tempo, perguntas como essa ficavam absolutamente sem resposta no Brasil. Alguns podem até pensar que é inaceitável precificar o valor de uma vida humana (ou de qualquer outro organismo). Afinal, "o direito a existência tem valor, mas não tem preço". Porém, para aqueles que resistem em aceitar, apoiar, promover ou assumir a responsabilidade sobre a necessidade urgente de adotar estratégias de mitigação nas rodovias brasileiras, o argumento econômico, contrapondo custos e benefícios, pode ser um divisor entre a inércia e a ação.
Acaba de ser publicado um artigo de pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) e seus colaboradores que não só buscou estimar o valor de algumas destas perdas econômicas, mas também, a partir de uma revisão de processos judiciais, identificou a quem o sistema judiciário brasileiro atribui a responsabilidade pelas compensações financeiras pagas aos afetados. Todas as estimativas foram realizadas utilizando o estado de São Paulo como sistema de estudo.
A soma das perdas econômicas e compensações são vultosas, totalizando mais de R$ 50 milhões por ano. Contudo, os próprios autores reconhecem que são estimativas conservadoras (mínimas) em virtude da qualidade das informações disponíveis nos formulários de registro. Além disso, como a base de dados é oriunda dos boletins das polícias rodoviárias, é fácil imaginar que esses registros representam apenas uma parcela das colisões com algum tipo de dano. Certamente englobam os acidentes de maior gravidade.
Porém, um número considerável de acidentes está fora das estatísticas. Ainda que o dano individual em cada um seja pequeno, o somatório pode ser surpreendente. As rodovias consideradas no estudo também são apenas uma parcela da malha do Estado. Ainda que incluam as estradas de maior fluxo e velocidade (dois atributos que amplificam o risco de colisões veículos-animais), quem circula por estradas não pavimentadas a noite sabe que a velocidade em muitas é alta e a circulação de animais grande. Ou seja, os riscos e acidentes não são irrelevantes.
Nenhuma destas limitações nos dados, no entanto, altera a relevância da mensagem do artigo. Elas só reforçam a sua mais importante conclusão: é melhor prevenir, sem dúvida nenhuma! Se não por respeito às vidas não humanas e humanas envolvidas, simplesmente porque é mais barato. A aplicação de uma parcela anual destes R$ 50 milhões em um programa gradual de implantação de ações preventivas, particularmente passagens de fauna e cercas, certamente reduziria drasticamente a frequência das colisões nos locais mais críticos.
Até quando vamos esperar?