Por Aguinaldo Marinho de Godoy
Gestor ambiental e presidente da APASS – Associação Protetora dos Animas Silvestres de Assis
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A Associação Protetora dos Animas Silvestres de Assis, APASS, é uma instituição, não governamental, sem fins lucrativos, de defesa aos animais silvestres fundada em 2000. Atualmente, mantém um centro de triagem e de reabilitação de fauna silvestre (Cetras) e atende uma grande parte do interior do estado de São Paulo, apoiando inclusive as forças de segurança e fiscalização de outros Estados vizinhos, como o Paraná e o Mato Grosso do Sul.
A APASS se localiza no município de Assis, no qual concentram-se rodovias importantes que dão acesso ao Mato Grosso do Sul, ao Paraná, a países do Mercosul, e, dentro do território paulista, às macro regiões de Marília, São José do Rio Preto e Araçatuba. Devido a essa facilidade de acesso às rodovias que se encontram em Assis, o município faz parte das chamadas “rotas caipiras do tráfico”, seja de drogas, armas ou animais silvestres.
O grande fluxo de veículos de passeio e de carga oriundos do Mato Grosso do Sul e do norte do Paraná são apreendidos com frequência filhotes de papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva) e papagaios adultos, além de muitas outras espécies de aves. Isso ocorre durante o ano todo, mas com maior intensidade e em maiores quantidades de filhotes entre os meses de setembro e o início de janeiro – por causa do período reprodutivo da espécie.
Em 2020, até o presente momento, recebemos um lote de 21 filhotes, um outra apreensão com mais quatro aves e, em 4 de novembro, mais dois filhotes. Desses papagaios todos, perdemos um filhote muito pequeno.
Essa é uma nova estratégia que os comerciantes ilegais de animais silvestrestêm colocado em prática. Sabendo que neste período aumenta a fiscalização nas rodovias, eles transportam aos poucos os filhotes. Assim, caso as aves sejam apreendidas, eles não tenham tanto prejuízo. Para trabalharem dessa forma, os traficantes mantêm alguns locais separados a fim de guardar os lotes de filhotes e vão liberando aos poucos, à medida em que encontram facilidades no transporte rodoviário, seja com carros de passeio, caminhões ou ônibus.
Na última apreensão realizada em um ônibus com destino a São Paulo, a Polícia Rodoviária apreendeu 502 canários-da-terra dentro de uma mala. Chegaram vivos à APASS somente 125.
Os artifícios utilizados pelos traficantes de fauna são os mais diversos para esconder os animais. Já presenciamos caixa de som de carro com fundo falso, no porta-malas, sendo que os autofalantes estavam funcionando na hora da abordagem feita pela Polícia Federal de Ourinhos (SP), na BR-153. A intenção era encobrir o som dos 134 filhotes de papagaio que estavam escondidos. Outra estratégia utilizada por um criminoso foi utilizar seu pai, um senhor de quase 80 anos em estado vegetativo e, na hora da abordagem da Policia Rodoviária, dizer que havia levado seu pai para uma consulta em uma cidade na divisa de São Paulo com Mato Grosso do Sul.
Já vimos também filhotes transportados dentro de tambores, garrafas plásticas, caixas de frutas, debaixo do colchão do dormitório de caminhão, dentro do estepe vazio de caminhão e junto ao estepe do carro de passeio. Foram encontrados dois saguis dentro do sutiã de uma senhora, ovos de papagaios pintados com manchinhas marrons dentro das caixas de ovos de codorna, acompanhados de nota fiscal de ovos de codorna, animais dentro de cano de PVC.
Outros registros que fizemos conseguem ser ainda mais chocantes. Papagaios já foram encontrados com os pés, asas e bicos amarrados ou com fitas adesivas para não enxergarem ou emitirem sons e casos em que, por falta de comida no transporte, eles se canibalizaram para não morrerem de fome ou comeram as fezes e serragem; Tivemos em uma das últimas apreensões, filhotes sendo transportados em caixas de papelão cheias de esterco de vaca pois, devido a uma crendice popular na região em que foram capturados, acreditavam que o cheiro das fezes deixaria as aves atordoadas e elas dormiriam durante a viagem.
Enfim, são trágicas as histórias e isso deve estar acontecendo neste exato momento, aqui bem perto de nós. E para que todas essas estratégias?
Simples. Para abastecer o mercado a qualquer custo e para ganhar dinheiro fácil, já que, caso o infrator seja preso, a pena é branda e a fiança em relação ao lucro obtido com o tráfico é ínfimo.
Do outro lado, o do comprador, temos aquela situação: uma pessoa que quer ter em sua casa, à sua disposição, uma ave que é vítima de um de seus milagres evolutivos naturais que é o reproduzir a voz humana. E tudo isso para que o “dono” possa ganhar admiradores na internet e muitas vezes suprir uma carência afetiva, completando, quem sabe, uma vida solitária; sem se dar conta de que para esse papagaio chegar até suas mãos, muitos outros padeceram.
Para piorar, a pessoa que adquire esses papagaios não imagina que está contribuindo com a criminalidade, pois como disse no início, muitos dos envolvidos com o tráfico de animais silvestres também atuam em outras modalidades de crime, como os tráficos de drogas e armas. Essa mesma pessoa, quando assiste aos noticiários, fica indignada com a criminalidade, mas permanece alheia de que está sendo uma patrocinadora indireta daquelas ações que tanto repudia.
Às vezes acontece de alguns juízes de algumas varas da Justiça do estado de São Paulo autorizarem a guarda provisória de alguns papagaios apreendidos. Geralmente são utilizados argumentos de que a ave não era mal tratada, não tinha penas cortadas, que apesar de ficar presa em gaiola estava bem cuidada, de que já está com a pessoa a mais de 20 ou 30 anos, que no momento da apreensão tinha comida e “girassol” (como se essa fosse o alimento correto) e que seu “dono ou dona” é um senhor ou senhora de 60, 70 anos de idade. Enfim, apesar de termos que cumprir a sentença da ordem judicial, ficamos pensando de que forma esse papagaio chegou às mãos dessa pessoa?
A maioria dos casos foi crime de apanha ilegal ou tráfico!
É estar bem cuidado viver em uma gaiola privado de algumas necessidades como alimentação correta, pareamento (os papagaios são monogâmicos), a vida com os outros da mesma espécie e a liberdade para voar (questão básica evolutiva da espécie)?
Prisão perpetua, pena de morte, comer sempre a mesma coisa, cantar Parabéns pra Você, Atirei o Pau no Gato, hino de clubes, falar palavrões, não ter direito a visita íntima… Tudo isso não pode ser, nem de longe, considerado que o animal não está sendo mal tratado.
O “senhorzinho e a senhorinha” que adquiriu o Lorinho, Loro José, Pitico, Zelito, Lorito, Lorita, quando contribuiu para a degradação de uma espécie não permitindo a perpetuação de sua linhagem e o privando de exercer seu papel fundamental biológico na natureza, há 20, 30 anos atrás tinha cerca de 30 a 40 anos de idade. Ou seja, era jovem, ativo, inteligente, imputável, esclarecido.
Por fim, não importa a força do vento contrário. Continuaremos em frente.
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