Encontro sobre conservação de onças no Pantanal destaca as fake news

Pesquisadores, ambientalistas, agentes de fiscalização e policiais se reuniram, dia 15, em Corumbá (MS) para discutir estratégias para a ações integradas entre diversos órgãos para a conservação de felinos no Pantanal. O encontro foi organizado pelo Instituto Homem Pantaneiro (IHP), ONG que atua na conservação do Pantanal. A circulação de notícias falsas sobre onças-pintadas (Panthera onca) foi um dos destaques no evento.

O evento, denominado 1º Seminário Estratégias de Ações Integradas para Conservação de Felinos, abordou ações para reduzir atropelamentos em rodovias, combater a caça e o tráfico de partes de onças-pintadas, eliminar a prática de ceva e reduzir a criação e disseminação de notícias falsas (fake news) relacionadas às onças. Participaram representantes da Polícia Civil, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Militar Ambiental, Ibama e pesquisadores das instituições Panthera, Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap) do ICMBio, Onçafari e IHP.

Preocupação com as fake news sobre onças-pintadas

O coordenador do Cenap, Rogério Cunha, alertou que a quantidade de notícias de ataques de onças-pintadas a pessoas tem aumentado consideravelmente nos últimos anos. “Em uma pesquisa no Google vai ser possível ver um crescimento de notícias que mostram possíveis ataques, mas que não condizem. Tem notícia que usa foto de dez, vinte anos atrás e sugere que foi ataque de onça, quando foi um ferimento causado por outra situação. Isso vai criando um medo que não corresponde à realidade e fomenta ataques contra a espécie”, completou.

O assunto também foi tratado pelo pesquisador associado do programa Felinos Pantaneiros, do IHP, o veterinário Diego Viana. “Histórias sobre onças são parte integrante da cultura dos povos que convivem com esses animais, servindo como elementos enraizados em tradições e mitos que expressam respeito e admiração por esses predadores. Contudo, na era moderna e com a expansão dos meios digitais, observamos uma crescente circulação de informações falsas envolvendo onças. Essas notícias não apenas aumentam o risco para os animais, ao potencializar mal-entendidos e medos infundados, mas também contribuem para alarmar e assustar a população”, afirmou.

Diego também contou que, no início de ano, quatro vídeos de onça caminhando em perímetro urbano ou atacando pessoas circularam, principalmente, na região de Corumbá e Ladário (MS). Essa divulgação levou os moradores a ficarem em alerta e acionarem forças policiais.

Em um dos casos, o vídeo que viralizou era de um avistamento antigo que voltou a circular como sendo atual. Outros dois casos foram de animais caminhando pela cidade, mas não foi encontrado nenhum indício (pegadas, carcaças, fezes) da presença real deles. O mais grave desses casos atuais foi um vídeo de uma senhora cheia de ferimentos, que circulou nos grupos da cidade como mais um caso de ataque de onças a pessoas em Corumbá. Esse mesmo vídeo já havia circulado em anos anteriores e se tratava de ferimentos feitos por uma pessoa com facão e em outra região do país”, destacou.

Diego utiliza sua rede social para divulgar informações desmentindo esses vídeos e, principalmente, para passar informações baseadas na Ciência. Com esta divulgação, ele já enxerga um pequeno avanço na conscientização da população. “Vejo como uma forma rápida para desmistificar os casos e atingir o público do município e redondezas. Como sou da cidade, as pessoas sabem que trabalho na conservação de onças e acabam me procurando para compartilhar relatos sobre a espécie. Tenho percebido que cada vez mais pessoas locais têm procurado os pesquisadores antes de compartilhar notícias de forma equivocada”, celebrou.

Conflito humano-fauna foi ponto central

Os municípios de Corumbá e Ladário estão localizados no noroeste de Mato Grosso do Sul, região inserida no Pantanal. Frequentemente há a necessidade de agentes das forças de segurança mobilizarem-se para realizar o resgate de onças que acabam circulando no perímetro urbano dos municípios, já que o bioma concentra uma das maiores populações desses felinos no país.

A coordenadora do programa Felinos Pantaneiros, a veterinária Mariana Queiroz, pontuou que, devido a relação histórica de aparecimento de onças em alguns territórios e uma falta de conhecimento sobre o comportamento do animal, a disseminação de informações imprecisas e alarmantes pode atrapalhar uma realidade de coexistência humano-fauna. “A natureza sensível da coexistência e noções de pré-conceitos que as pessoas têm envolvendo a onça pode aumentar a disseminação de informações imprecisas e alarmantes. Existe um padrão de história que a onça é perigosa, que ela ataca pessoas, mas não que isso seja uma situação real. É um pouco de relação de amor e ódio. A onça é um animal que desperta paixões. É preciso conhecer mais desse animal e aprender a conviver, mitigar conflitos como ataque a animais domésticos.”

Para que as medidas propostas no seminário sejam efetivas e atinjam o maior número de pessoas, o IHP planeja realizar um evento voltado aos veículos de imprensa e mídias do Mato Grosso do Sul. “Nesse primeiro seminário foi entendido que as forças de segurança e instituições devem reforçar o trabalho em conjunto pra garantir orientações. Porém, é preciso um olhar de médio a longo prazo, contando com o envolvimento da comunidade para o sucesso dessas estratégias. Disseminar as informações corretas pode ajudar cada vez mais na valorização das espécies silvestres, fazendo com que o animal deixe de ser considerado como uma ameaça e haja um sentimento de orgulho por coexistir com uma espécie tão emblemática”, reforçou Mariana.

Desde a criação do programa Felinos Pantaneiros, em 2016, os pesquisadores identificaram mais de 130 onças-pintadas nas diferentes áreas de atuação. Garantir que estes felinos continuem habitando sua área natural é um esforço de toda a sociedade.