
Por Dimas Marques
Jornalista, pesquisador do Diversitas-USP e editor responsável do Fauna News
dimasmarques@faunanews.com.br
Em setembro de 2012, publiquei na revista Terra da Gente (que já não circula mais) a reportagem Aberta a temporada do tráfico. A matéria detalhou a coleta de ovos e filhotes de papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva) por traficantes de animais que ocorre anualmente, entre setembro e dezembro, no Cerrado do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Minas Gerais e oeste da Bahia. Em 8 de setembro foi registrada a primeira apreensão deste ano (Um mergulho na imagem: mais uma temporada de tráfico de papagaios). Várias outras já ocorreram:
– 15 de setembro: 175 filhotes
– 21 de setembro: 112 filhotes
– 25 de setembro: 10 filhotes
– 26 de setembro: 31 filhotes
Na reportagem, chama a atenção a informação passada pelo presidente da ONG paulsita SOS Fauna, Marcelo Pavlenco Rocha, que há anos acompanha de perto a realidade do tráfico de papagaios-verdadeiros: homens da Polícia Militar Ambiental do Mato Grosso do Sul disseram a ela que apenas cerca de 5% dos papagaios-verdadeiros retirados da natureza são apreendidos. Ou seja, milhares de aves da espécie são levadas pelos traficantes para serem vendidas como bichos de estimação em centros urbanos, com destaque para a Região Metropolitana de São Paulo.
Creio que, mesmo sendo de 2012, a reportagem permanece atual. Por isso, vou reproduzir o trecho da matéria que explica como funciona o tráfico de papagaios-verdadeiros. Vale lembrar que há muitos anos esse problema se repete e ameaça a população da espécie. E tudo isso porque tem gente que compra.
“O problema se repete há anos: setembro chega e uma quantidade assustadora de papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva) recém-nascidos é coletada por traficantes de animais no Cerrado do Mato Grosso do Sul. É questão de dias para as pequenas aves, muitas ainda sem penas e com os olhos fechados, chegarem amontoadas e encaixotadas aos grandes centros urbanos do Sudeste, principalmente na Região Metropolitana de São Paulo.
Dados das apreensões da Polícia Militar Ambiental do Mato Grosso do Sul indicam que o papagaio-verdadeiro é a espécie nativa do estado mais visada pelo mercado negro. Somente na temporada de apanha de 2011, 466 aves foram apreendidas com traficantes. O número não inclui apreensões feitas em cativeiro doméstico.
As estatísticas das apreensões são as únicas informações que fornecem alguma pista sobre a dimensão do tráfico de papagaios-verdadeiros no Mato Grosso do Sul. Por ser uma atividade criminosa, não há como saber exatamente a quantidade de aves retiradas todos os anos de seu hábitat durante setembro e outubro. “O número pode chegar facilmente aos milhares”, afirma Marcelo Pavlenco Rocha. Presidente da ONG paulista SOS Fauna, que combate o tráfico de fauna desde 1989, Rocha conta que, durante uma conversa informal, homens da Polícia Militar Ambiental do Mato Grosso do Sul disseram acreditar que apenas cerca de 5% dos papagaios-verdadeiros retirados da natureza são apreendidos.
O major Ednilson Paulino Queiroz, biólogo que trabalha no 15º Batalhão de Polícia Militar Ambiental do MS, não confirma esse número. “Como é impossível saber o total de aves retirado, qualquer afirmação não tem fundamento”, diz. Para a superintendente executiva da Fundação Neotrópica do Brasil, Gláucia Helena Fernandes Seixas, que também coordena o Projeto Papagaio-verdadeiro, trabalho desenvolvido para o manejo e a conservação da espécie no Cerrado e no Pantanal do estado desde 1997, “o número real de aves extraídas de seu ambiente natural deva exceder duas ou três vezes aqueles registrados nas apreensões.” Mas ela completa afirmando que a estimativa não é baseada em algum cálculo e “deve ser vista como um indicativo de que é grande a diferença”.
Em um fato todos concordam: o número de papagaios-verdadeiros traficado é muito alto. “Lembrando que não estamos contabilizando a retirada de filhotes que também ocorre em Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Minas Gerais e oeste da Bahia”, afirma Rocha.
Crime lucrativo
A organização dos bandidos começa previamente à postura dos ovos, que ocorre cerca de 27 a 30 dias antes do nascimento. Os traficantes, paulistas na maioria, entram em contato com sitiantes, trabalhadores rurais e assentados que vivem na região próxima da divisa com o Estado de São Paulo e encomendam a coleta dos filhotes. Oferecem cerca de R$ 30,00 por papagaio-verdadeiro, fecham negócio com esses moradores e acertam os detalhes finais, como a data de retirada. Para os sul-mato-grossenses envolvidos, o dinheiro é um complemento de renda. Para os paulistas, a venda é lucro certo, já que cada ave é comercializada no mercado negro como bicho de estimação por valores que variam entre R$ 150,00 e R$ 250,00. Os animais legalizados custam entre R$ 1.800,00 e R$ 2.500,00.
Combinados preços e prazos, os responsáveis por apanhar as aves buscam os ninhos em ocos de troncos e de galhos pelas fazendas e áreas com vegetação ainda preservada. A procura não é complicada, afinal os papagaios-verdadeiros são abundantes e normalmente botam seus ovos nos mesmos locais de anos anteriores. Com os ninhos identificados, basta esperar os nascimentos para a coleta, que muitas vezes tem as noites como aliadas.
De acordo com o major Ednilson Queiroz, há informações de que traficantes estariam coletando também ovos de papagaios-verdadeiros. “Como ainda não fizemos nenhuma apreensão de ovos, não temos como ter certeza do que nos foi dito”, ressalta o oficial, que é doutor em Ecologia pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.
A preferência por filhotes é justificada por vários motivos. São dóceis, mais fáceis de serem apanhados, menores para o transporte e, sobretudo, porque são os preferidos dos compradores finais. “As pessoas gostam de ensinar o filhote a falar. Ninguém quer um papagaio adulto que só faz barulho”, explica Queiroz.
Os pequenos papagaios são transportados em condições precárias, amontoados em caixas onde permanecem mais de dez horas até a Região Metropolitana de São Paulo sofrendo com a falta de alimentação e água, além do calor. “São os próprios traficantes paulistas que vão buscar os papagaios em carros pequenos”, afirma Marcelo Rocha, que acaba de instalar, em Nova Andradina (MS), uma área de recuperação e soltura para aves silvestres do Cerrado vítimas do tráfico. A principal rota usada para chegar a São Paulo é a BR-267, rodovia que passa a se chamar Raposo Tavares (SP-270) em território paulista, na região de Presidente Epitácio.”
– Leia a matéria reportagem completa da revista Terra da Gente
– Conheça a SOS Fauna
– Conheça o Projeto Papagaio Verdadeiro