
Por Dimas Marques
Jornalista, pesquisador do Diversitas-USP e editor responsável do Fauna News
dimasmarques@faunanews.com.br
O artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais (Lei n 9.605/1998) determina pena de seis meses a um ano de detenção e multa para “quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.”
Pelo fato de a pena para esse crime ser inferior a dois anos (“menor potencial ofensivo”), os casos são submetidos à Lei 9.099/1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e abre a possibilidade da transação penal e a suspensão do processo. Agrava a situação a Lei 12.403/2011, que estabeleceu o fim da prisão preventiva para crimes com penas menores que quatro anos de prisão, como o de formação de quadrilha.
É fato que, na grande maioria dos casos, a prisão para as pessoas que criam ilegalmente animais silvestres em ambiente doméstico (sem fins comerciais) seria uma punição excessiva – além do fato de o sistema prisional brasileiro estar superlotado e desestruturado, não sendo correto manter em um mesmo ambiente bandidos perigosos com quem criava um papagaio ilegalmente, por exemplo.
Há de se ter uma gradação nas penas, mas punição tem de existir. Caso contrário, perde-se totalmente o caráter educativo da legislação – como tem acontecido atualmente, em que ninguém é preso e tão pouco paga as multas. Crimes contra a fauna silvestre são crimes impunes.
Portanto, ao menos as multas ou algum outro tipo de punição tem de existir para os casos mais simples, de criação ilegal de silvestres como pets. E assim entendeu a Justiça em um caso de Minas Gerais.
A infratora, multada pelo Ibama por criar sete pássaros retirados da natureza ilegalmente, tentou anular o procedimento do órgão fiscalizador e a multa. Qual a alegação dela: não havia lesão ao meio ambiente. A Justiça Federal desconsiderou tal argumento e transformou a multa em prestação de serviço.
“Sexta Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) 1ª Região, de forma unânime, confirmou sentença que converteu a multa imposta a uma senhora em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente. Segundo os autos, a mulher foi autuada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a pagar multa de R$3.500 por manter sete pássaros da fauna silvestre brasileira. A ação foi apresentada à Justiça Federal em 2010.
A mulher ajuizou ação anulatória na Justiça Federal requerendo a nulidade do procedimento administrativo, bem como da multa. Alternativamente, ela pediu o reconhecimento da ausência de lesão ao ambiente, na conduta de guarda doméstica, sem captura ou maus-tratos aos animais.
Em primeira instância, o pedido foi julgado parcialmente procedente para que fosse convertida a multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente. Para isso, ela deveria assumir obrigações, por intermédio de termo de compromisso. A mulher e o Ibama recorreram ao Tribunal Regional contra a sentença.
Conforme voto do relator, juiz federal convocado Roberto Carlos de Oliveira, a alegação de que a domesticação dos pássaros afasta risco à função ecológica da fauna não impressiona. Para o magistrado, a lesão ao meio ambiente consiste na subtração dos pássaros, visto que, retirados da natureza, é registrada a irregularidade. Não faria qualquer sentido isenção de pena para o caso de animais que não podem voltar ao habitat.
Por outro lado, o juiz federal destacou que a norma permite a conversão da multa em prestação de serviços, sendo medida mais adequada ao caso, tendo em vista a guarda doméstica de animais, as condições da infratora e as circunstâncias do evento, que não apontam para a intenção de obter vantagens financeiras.” – texto da matéria “Multa é convertida em prestação de serviço em casos de guarda de pássaros silvestres”, publicada em 27 de setembro de 2018 pelo site do Jornal da Manhã (JM Online), de Uberaba (MG)
Raras são as multas pagas por crimes contra a fauna. O próprio poder público não se preocupa em cobrá-las. Portanto, medidas de prestação de serviço à comunidade, que envolvam atividades ligadas à conservação da fauna, deveriam ser uma alternativa na aplicação da punição.
O poder público deveria, sem necessitar da interferência da Justiça, ter projetos que envolvam condenados por crimes ambientais. A sociedade ganharia e, com certeza, muita gente não cometeria o crime novamente.