
Análise de Dimas Marques
Editor-chefe
dimasmarques@faunanews.com.br
São Paulo é o estado brasileiro em que mais animais silvestres vítimas do tráfico são apreendidos pelos órgãos de fiscalização – uma média de 30 mil por ano. Também possui grande malha rodoviária, onde ocorrem milhares atropelamentos de fauna – e, consequentemente, muitos espécimes precisam de atendimento. Também não são poucos os casos de bichos queimados em incêndios florestais e em propriedades rurais, machucados por ataques de cães e gatos, vitimados pelo contato com a rede de distribuição de eletricidade e por aí vai.
Ou seja, o mínimo que se espera de um poder público responsável é a existência de uma estrutura para atender esses animais. Em território paulista, funcionam hoje 14 centros de triagem e de reabilitação de animais silvestres não aquáticos (Cetas e Cras, também chamados de Cetras). Nenhuma outra unidade da federação tem tantos. Nesses locais, a fauna que necessita de atendimento é recebida, avaliada, tratada e, se reabilitada, encaminhada prioritariamente para soltura. Os animais que não se recuperam são destinados a criadouros (comerciais, de pesquisa ou conservacionistas), zoológicos ou mantenedouros.
Acontece que, mesmo com tantos Cetas e Cras (um do Ibama, um do Estado, quatro de municípios e o restante de instituições particulares), a infraestrutura de atendimento é insuficiente. Ou seja, os centros vivem lotados e praticamente não dão conta da demanda existente.
Ainda assim, ações do governo paulista podem reduzir o número de Cetas e Cras.
A primeira ameaça aconteceu com o anúncio de leilão do terreno onde hoje funciona o Cras da Associação Mata Ciliar, em Jundiaí. O centro é uma referência e tem alta capacidade de atendimento. Grande mobilização da sociedade e de políticos fizeram o governo do Estado anunciar que não irá mexer com a sede da entidade.
“O governo do estado anunciou nesta terça-feira (18) que será mantida a área da Associação Mata Ciliar de Jundiaí (SP). Na segunda-feira (17), mais de 10 mil pessoas assinaram um abaixo-assinado contra a venda do local de 300 mil metros e que abriga mais de 800 animais silvestres.
O governo havia anunciado o terreno em um leilão, no sábado (15). Durante a reunião deste terça-feira, o vice-governador e secretário de governo Rodrigo Garcia afirmou que o estado de SP tomará medidas jurídicas para o desmembramento da área ocupada pela Mata Ciliar do restante do imóvel, mediante parecer do Conselho do Patrimônio Imobiliário.
Segundo o governo, a decisão foi anunciada após exposição do presidente da Associação, Jorge Bellix de Campos, e da coordenadora de Fauna, Claudia Adamia (o nome é Cristina Harumi Adania – correção do Fauna News), acompanhados pelo deputado estadual Alexandre Pereira.
O vice-governador afirmou que será feito um estudo para regularizar em definitivo a ocupação e atuação da Associação. Desde a semana passada, integrantes do governo do estado e da Associação vêm se articulando em busca de uma solução conciliadora.” – texto da matéria “Terreno da Associação Mata Ciliar não será mais vendido em leilão pelo governo estadual”, publicada pelo portal G1 em 18 de agosto de 2020
Até a regularização definitiva da área para uso da Associação Mata Ciliar ninguém tirará os olhos da questão.
A outra ameaça envolve o Centro de Recuperação de Animais Silvestres do Parque Ecológico do Tietê (Cras PET), que pertence ao governo paulista e é administrado pela Fundação Parque Zoológico de São Paulo. Este centro tem a capacidade de atender 12 mil animais por ano.
O projeto de lei (PL) 529/2020, enviado m 13 de agosto pelo governador João Doria para a Assembleia Legislativa, propõe a extinção e privatização de várias autarquias e instituições do poder público estadual. O objetivo é fazer um ajuste fiscal, com redução de gastos, para que não haja problemas orçamentários em virtude da crise gerada pela pandemia. Entre os órgãos a serem afetados está a Fundação Parque Zoológico de São Paulo (FPZSP).
“Com a extinção da Fundação, proposta neste projeto de lei, a operação das atividades voltadas à visitação pública, educação ambiental e conservação do patrimônio público e dos ativos ambientais realizada em suas instalações serão transferidas à iniciativa privada, por meio de procedimento licitatório adequado. As atividades relacionadas ao desenvolvimento de pesquisas, gestão de unidades de conservação, fiscalização do Zoológico, Jardim Botânico e demais atividades públicas serão transferidas a entidades de ensino e pesquisa que compõem a Administração.” – texto do PL
No projeto não há um detalhamento do destino do Cras PET caso a FPZSP seja extinta e parte de suas atividades seja transferida para outros órgãos públicos, mas servidores e entidades ambientalistas estão bastante preocupados. Um abaixo-assinado solicitando a não extinção da Fundação está em fase de coleta de adesões. A deputada estadual Monica Seixas, da Bancada Ativista (PSOL), já protocolou uma emenda solicitando a retirada do órgão do projeto de Doria.
A extinção da Fundação também poderá afetar o Centro de Conservação de Fauna Silvestre do Estado de São Paulo (CECFAU), que funciona em Araçoiaba da Serra. No local, animais de espécies ameaçadas de extinção são criados em cativeiro e reproduzidos para revigoramento das populações dessas espécies e reintroduções onde já estão extintas.
O já insuficiente sistema de atendimento de fauna silvestre está sob ameaça em São Paulo. A tramitação do projeto de lei na Assembleia Legislativa ocorre em regime de urgência e promete ser bastante conturbada, já que o projeto também afeta inúmeros outros órgãos públicos.