Por Carmel Croukamp¹ e Fabiana Lopes Rocha²
¹CEO do Parque das Aves
²Coordenadora do Centro de Sobrevivência de Espécies Brasil
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O Brasil é um dos sete países a estabelecer um Centro de Sobrevivência de Espécies, lançado como parte da iniciativa Reverse the Red, um movimento global para estimular a cooperação e desenvolver ações estratégicas para a conservação.
O meio ambiente vem sendo degradado em uma escala sem precedentes. Apesar de muitos esforços para proteger espécies e ecossistemas, estima-se que mais de um milhão de espécies estão ameaçadas de extinção mundialmente. Para reverter essa situação, precisamos de uma abordagem sistemática, proativa e colaboração em escala maior.
Dentro de um cenário de recursos escassos, muitas vezes a ação em conservação tende a ser reativa e não proativa. A grande maioria de espécies ameaçadas não ainda está incorporada a projetos de conservação, sendo que muitas delas estão desaparecendo sem ter recebido atenção ou esforços. Embora a extinção da maioria de espécies aconteça devido à ação humana, também existem cada vez mais estudos indicando, fortemente, que espécies tendem a não se extinguir quando há esforços de conservação. Espécies precisam de atenção e ação, elementos que fazem a diferença entre vida ou morte.
Colaboração é a chave para salvar espécies.
A Comissão de Sobrevivência de Espécies (SSC, na sigla em inglês), uma das seis comissões da União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), entende que toda a rede global de conservação de espécie precisa estar cada vez mais conectada para promover os seguintes princípios fundamentais e essenciais no combate a extinção da biodiversidade na escala atual: identificação proativa das espécies que mais requerem ação, colaboração, ação em conjunto e compartilhamento extensivo e eficiente de métodos e ferramentas que, ao redor do mundo, tendem a ser os mais efetivos.
O Centro de Sobrevivência de Espécies Brasil (CSE Brasil) é uma parceria entre o IUCN SSC, o Grupo Especialista em Planejamento de Conservação (Conservation Planning Specialist Group – CPSG) e o Parque das Aves. Este último, sede física do centro, em Foz do Iguaçu, no Paraná.
A ideia de trazer o centro para o Brasil, e para o Parque das Aves, se iniciou em 2018, quando o parque se tornou sede do CPSG Brasil. Em fevereiro de 2019, após conversas iniciais sobre a expansão do CPSG para um Centro de Sobrevivência de Espécies com Kira Mileham (SSC Chairs office) e Onnie Byers (Presidente CPSG Global), Carmel Croukamp (CEO do Parque das Aves) e Arnaud Desbiez (presidente do Instituto de Conservação de Animais Silvestres – ICAS) se reuniram em São Paulo com a veterinária Fabiana Lopes Rocha, a veterinária e diretora técnica do Parque das Aves, Paloma Bosso, e o diretor financeiro do Parque das Aves, Oliver Davies, para um final de semana de imersão discutindo o que isso significaria para o Parque das Aves como estratégia de conservação e para desenharem como o centro poderia funcionar no Brasil. Muitas conversas depois entre as três instituições parceiras, o memorando de entendimento que estabeleceu a criação do centro foi assinado em julho de 2019.
Depois da criação formal do CSE Brasil, a dúvida foi como criar estruturas que realmente apoiem os esforços e os profissionais do Brasil? O país tem infraestrutura e projetos de conservação formidáveis. Ainda assim, temos mais de 1.100 espécies nativas ameaçadas de extinção, muitas delas endêmicas, e outras tantas que ainda não temos informação suficiente para avaliar seu estado de conservação. Precisamos urgentemente ampliar a escala dos nossos esforços. O papel do centro é se somar à essa infraestrutura e expandir a capacidade nacional para avaliar, planejar e agir.
O Centro de Sobrevivência de Espécies Brasil trabalha com o ciclo de conservação de espécies do SSC, que possui cinco elementos principais: Avaliar, Planejar, Agir, Comunicar e Fomentar redes de trabalho. É um ciclo em que as espécies, necessitando de ação proativa, são objeto de planejamento elaborado por profissionais em base colaborativa, com execução conjunta do plano construído. Para tanto, na parte de avaliação, apoiamos a integração da Lista Vermelha da UICN (lista de espécies ameaçadas de extinção) com os esforços nacionais, para que os dados e os trabalhos do Brasil possam ser integrados à listagem internacional.
O planejamento é feito após identificar quais espécies estão ameaçadas de extinção e quais os graus e tipos de ameaça a espécies individuais ou a grupos de espécies. Com essas informações, é possível identificar quais espécies mais precisam de ajuda. Para elas, organizamos ou facilitamos oficinas que reúnem todas as partes interessadas para elaborar um plano estratégico. Ainda, o CPSG oferece oficinas de capacitação e de aplicação de ferramentas de planejamento, como o programa Vortex para análise de viabilidade populacional, de análise do risco de doenças para vida silvestre (DRA) e de diretrizes de manejo ex-situ para conservação de espécies. Vale destacar que, nessas oficinas, promovemos a abordagem do Plano Único de Conservação (One Plan Approach), que trabalha com estratégias de conservação integradas para espécies.
Para agir, promovemos a implementação de ações após oficinas de avaliação e planejamento, trabalhando em conjunto com várias organizações parceiras. Como parte da parceria entre o Parque das Aves e o CSE Brasil, adotamos as aves da Mata Atlântica como projeto bandeira, Nele, os parceiros trabalham em conjunto desde identificação de necessidades das espécies ameaçadas do bioma para realizar oficinas facilitadas pelo CPSG até criar planos estratégicos para as espécies que, em conjunto com muitas instituições e profissionais de conservação, serão convertidos em ação. O projeto bandeira busca também incorporar espécies de aves criticamente ameaçadas de outros biomas, quando fizer sentido incluí-las nas oficinas de planejamento.
O projeto bandeira Aves da Mata Atlântica tem trabalhado com algumas das espécies de aves mais ameaçadas do Brasil (e do mundo): o pararu-espelho (Claravis geoffroyi), a rolinha-do-planalto (Columbina cyanopsis), a choquinha-de-alagoas (Myrmotherula snowi) e várias outras com menos de 50 indivíduos remanescentes no planeta.
A próxima oficina desse projeto acontecerá em abril, para a saíra-apunhalada (Nemosia rourei), espécie criticamente ameaçada com poicos indivíduos conhecidos remanescentes. Ela será co-organizada pelo Instituto Marcos Daniel, o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave/ICMBio), o Parque das Aves, o Instituto Claravis, o CSE Brasil e facilitada pelo CPSG.
Todas as oficinas e esforços têm acontecido seguindo recomendações ou demandas dos Planos de Ação Nacionais de Conservação de Espécies Ameaçadas, os PANs, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), dentro de um esforço único e consolidado entre órgão, a academia, as instituições de conservação e partes interessadas diversas.
Por respeito ao trabalho de integração e formulação de uma estrutura que realmente apoie profissionais de conservação, escolhemos, antes de lançar o centro publicamente, investir tempo na sua construção em conjunto com esses especialistas do Brasil e começar a trabalhar sem muito alarde. E assim fizemos durante 18 meses.
Após esses período de construção e de muitos trabalhos já feitos, o CSE Brasil foi formalmente lançado no dia 18 de março em um evento virtual com os presidentes da Comissão de Sobrevivência de Espécies e do Grupo Especialista em Planejamento para Conservação e representantes da UICN Sur (América do Sul), do ICMBio, do Parque das Aves, da CPSG Brasil e de vários parceiros.
Para conhecer o trabalho do CSE Brasil e se conectar com a rede, acesse o site.
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