Os morcegos são membros da ordem Chiroptera e constituem a segunda maior ordem de mamíferos do planeta, com 1.466 espécies reconhecidas, correspondendo a 20% de espécies de mamíferos, superada apenas pelos roedores. São os únicos mamíferos voadores, possuindo modificações em seus membros anteriores (asas), com dedos alongados e conectados por membranas, o que lhes permite a capacidade de voo.
Morcegos possuem variados hábitos alimentares, o que reverte em diversos papéis ecológicos. Essa diversificação melhora a estrutura e a dinâmica dos ecossistemas naturais e beneficia o ambiente. Espécies que se alimentam de néctar e de frutas são importantes para a polinização e para a dispersão de sementes, auxiliando no crescimento de novas plantas, bem como o estabelecimento em novas áreas. Durante o voo, os morcegos frugívoros espalham as sementes ao defecarem, realizando um plantio natural, relevante para a regeneração das florestas.
Espécies de morcegos que se alimentam de insetos desempenham um papel relevante na regulação de populações desses animais, incluindo pragas agrícolas e outros que são prejudiciais aos seres humanos, como os vetores de doenças. Vale salientar que esses morcegos podem consumir grandes quantidades de insetos por noite, chegando a até metade de seu próprio peso corporal.
Morcegos também podem comer pequenos vertebrados como peixes, anfíbios, répteis, aves, roedores e até mesmo outros morcegos. Alguns podem também se alimentar de sangue de aves e mamíferos.
Esses animais possuem hábitos noturnos e buscam por recursos alimentares nesse período. Permanecem durante o dia nos refúgios, que são abrigos vitais para a sua sobrevivência, fornecendo proteção de predadores e de condições ambientais adversas, bem como local para reprodução e outras interações sociais. Os refúgios, que podem ser temporários ou permanentes, são caracterizados como naturais (cavernas, ocos de árvores, fendas de rochas e entre folhagens densas) ou artificiais (em variadas estruturas humanas, como forros de casas, sótãos, porões, vãos entre paredes, pontes, bueiros e celeiros). Características como temperatura, umidade, luminosidade, espaço interno e altura podem interferir na utilização dos refúgios por morcegos. Ainda existem lacunas sobre a compreensão dos abrigos escolhidos.
Mesmo com os diversos benefícios provenientes dos serviços ecossistêmicos realizados pelos morcegos, a coexistência entre esses animais e os seres humanos pode representar um desafio para os dois. O uso dos forros das residências por morcegos gera incômodos, dentre eles, ruídos, odores desagradáveis e concentrações de fezes e urina, que, com o tempo, podem corroer a madeira e outros materiais de construção, gerando infiltrações pela estrutura, atingindo o teto bem como as paredes.
Outra questão importante a ser abordada é o papel dos morcegos na difusão de doenças. Em conjunto com as aves, eles podem exercer influência na dissipação de infecções fúngicas como a histoplasmose. Essa enfermidade é adquirida através da inalação de partículas infectantes (esporos de fungos) presentes no acúmulo das fezes (guano) dos morcegos. Cuidados são necessários ao lidar com fezes no forro do telhado, pois pode haver fungos. Para evitar a exposição direta ao fungo do gênero Histoplasma é recomendado o uso de luvas, óculos de proteção e máscara para o nariz e boca. É importante também o umedecimento das fezes (borrifando água) antes da remoção para evitar a propagação e inalação dos esporos.
Os morcegos também podem ser portadores do vírus da raiva, bem como ocorre com outros mamíferos silvestres. Em 2015, as pesquisadoras Amanda Viana, Vanessa Bento Teixeira e Erika Hingst-Zaher publicaram um trabalho informando que a transmissão do vírus da raiva por morcegos é rara, sendo que a probabilidade de gatos e cachorros domésticos transmitirem para humanos é maior. Uma nota técnica do Ministério da Saúde, publicada em 2022, afirma que no cenário atual (2015-2021) houve uma mudança na cadeia de transmissão, sendo através de morcegos e canídeos silvestres as maiores possibilidades de transmissão do vírus da raiva. Nesse mesmo período, das 25 notificações da raiva humana, 20% das transmissões foram através de gatos e cachorros domésticos e os outros 80% por animais silvestres.
Na tentativa de erradicação dos morcegos, atitudes desesperadas são realizadas, uma vez que representam um incômodo para as pessoas. Muita gente opta por removê-los dos forros das residências, por vezes de forma inadequada, seja matando os mamíferos com produtos químicos e pesticidas ou impedindo a saída deles fazendo com que morram de inanição. Diante do exposto, é importante ressaltar que morcegos são animais silvestres e, no Brasil, sua proteção está assegurada pela Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998).
Uma medida proposta para mitigar esse conflito é a implementação de abrigos artificiais para morcegos, conhecidos como bat houses (casas de morcego). Essas estruturas fornecem abrigo a diferentes espécies de morcegos e sua escolha depende dos objetivos específicos do projeto, considerando os diferentes designs e adaptações aos variados tipos de morcegos. As bat houses podem variar no uso de materiais para sua construção, como madeira, plástico e concreto, bem como em tamanho e formato, desde grandes cavidades até estruturas compactadas, com diferentes tamanhos de compartimento.
A disposição dos abrigos para morcegos depende do design e da localização pretendida. Eles podem ser instalados em paredes, árvores ou postes. Fatores como proximidade de corpos d’água, exposição solar e a pintura externa são aspectos importantes a serem considerados.
No exterior, principalmente Estados Unidos e Europa, as bat houses são comercializadas para moradores interessados em atrair esses mamíferos para as proximidades de suas residências. O objetivo é usufruir dos benefícios ecológicos mencionados, como o controle de insetos, por exemplo. Outra questão é o guano gerado pelos morcegos, sendo reconhecido como um fertilizante natural, requerendo uma coleta e manipulação adequada.
O uso de bat houses é uma prática adotada desde o século 19 em várias partes do mundo. Na Europa, as bat houses tiveram início em 1800, na Alemanha, com o objetivo de preservar e aumentar a população de morcegos, já que eram reconhecidos como agentes de biocontrole de pragas. Seguindo o mesmo objetivo, no início do século 20, grandes abrigos artificiais foram construídos no Texas (EUA) pelo médico Charles Campell. Seu interesse era aumentar a população de morcegos insetívoros e, por consequência, reduzir a presença de agentes zoonóticos, especificamente mosquitos que transmitem malária.
Designadas como bat roost, gigantes estruturas com nove metros de altura, que se assemelhavam a torres, demonstraram eficiência na redução da disseminação da malária. Anos mais tarde, reconhecendo o sucesso do experimento e a importância dos serviços ecológicos fornecidos por esses animais, a Câmara Municipal de San Antonio promulgou uma legislação tornando ilegal a eliminação de morcegos dentro da cidade.
De acordo com o pesquisador Niels Rueegger, em seu trabalho de levantamento publicado no ano de 2016, a pesquisa científica relacionada às bat houses teve início em meados do século 20 na Europa. Na Austrália, os estudos começaram na década de 1980, seguida pela América do Norte na década de 1990, com aumento relevante a partir dos anos 2000. A experiência e a literatura existente em outros continentes servem como referências importantes para os estudos embrionários na América do Sul, especialmente no Brasil.
No Brasil, atualmente, existem ao menos quatro grupos de pesquisas engajados na investigação desse tema. Um grupo conduz sua pesquisa em Pelotas (RS), dentro do bioma Pampa, sob coordenação da cientista Ana Maria Rui. Outro atua em Macapá (AP) explorando o bioma amazônico, especificamente a savana amazônica, sob a coordenação de William Douglas de Carvalho.
Há outras pesquisas em andamento na Mata Atlântica, sendo uma na Reserva Salto Morato (PR), coordenada por Fernando de Camargo Passos, e outra em Lumiar (RJ), com coordenação pela empresa Piper 3D – Pesquisa, Educação & Consultoria Ambiental – financiamento da Faperj e colaboração da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Esses projetos agregam conhecimentos, assim como a experiência de outros países, e adaptam-se às necessidades específicas de uma região tropical como o Brasil. Dada a sua dimensão, os grupos de pesquisa se deparam com incertezas locais, enfrentando desafios no compartilhamento de experiências devido à diversidade dos biomas em que estão localizados.
É crescente o reconhecimento do valor e dos benefícios dos serviços ecossistêmicos que os morcegos podem proporcionar à sociedade. As bat houses são uma alternativa para serviços inovadores para o Brasil que podem gerar resultados inéditos em conjunto com a potencial conservação de morcegos urbanos. Embora haja necessidade de entender as lacunas existentes sobre a qualidade dos abrigos, é crucial compreender as preferências por microclimas e outros aspectos dos abrigos pelas diferentes espécies de morcegos, visto que a qualidade dos abrigos pode exercer influência na permanência das populações.
Mesmo que promissora, a pesquisa nessa área no Brasil está em estágio inicial, permeada por diversas questões e hipóteses a serem exploradas. Os resultados mais relevantes podem perdurar em períodos de médio a longo prazo. Procura-se, por meio desses estudos, estabelecer uma coexistência equilibrada entre morcegos e seres humanos, levando em consideração a relevância ecológica dos animais e o bem-estar humano.
Referências
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Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Veiga de Almeida e doutora em Meio Ambiente pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Atualmente, é pesquisadora bolsista da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) na empresa Piper 3D – Pesquisa, Educação e Consultoria Ambiental.
Bacharel e licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Santa Úrsula, mestre em Biologia Animal pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e doutora em Ecologia e Evolução pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Atualmente, é pesquisadora bolsista do Programa de Apoio à Pesquisa (PAPD) - PPGEE/IBRAG/UERJ e sócia da empresa Piper 3D – Pesquisa, Educação e Consultoria Ambiental.
Bacharel e licenciada em Ciências Biológicas, mestre em Biologia Animal e doutora em Ciências Veterinárias pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Atualmente, é pesquisadora bolsista do Programa de Apoio à Pesquisa (PAPD) - PPGEE/IBRAG/UERJ e sócia da empresa Piper 3D – Pesquisa, Educação e Consultoria Ambiental.
Bacharel em Ciências Biológicas, mestre em Biologia na área de concentração em Ecologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e doutora em Biologia Animal pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Atualmente, é responsável técnica, administradora e sócia da empresa Piper 3D – Pesquisa, Educação e Consultoria Ambiental.
