Avistar 2025 começa amanhã em São Paulo

A observação de aves é uma prática que, muitas vezes, encontra espaço como lazer e, aos poucos, vai se expandindo na vida das pessoas. Foi assim também que a prática entrou na vida de Guto Carvalho, o idealizador do Avistar, o maior encontro de observadores de aves do Brasil. A edição deste ano começa amanhã e vai até domingo, no Jardim Botânico de São Paulo, na capital paulista.

Formado em Física, com experiência na área de educação e atuação com produção audiovisual, produção de eventos, edição, direção publicitária, tudo ligado à economia criativa, Guto foi também se envolvendo com trabalhos voluntários em instituições ligadas à conservação de aves, como a SAVE Brasil.

Guto Carvalho lembra que, em sua infância, observava aves nos campos e cafezais de Marília, interior de São Paulo, onde nasceu. Observava o sangrinho (ou tico-tico-rei, Coryphospingus cucullatus), o coleirinho (Sporophila caerulescens) e outras tantas aves que ainda não eram muito presentes no ecossistema da cidade e estavam aparecendo, como a perdiz (Ryncothus rufescens).

A rotina corrida da capital paulista tomou seu tempo e só a partir de 1996, quando deixou São Paulo e foi morar em meio à natureza da serra do Japi, que retomou o hábito de observar aves. Na época, trabalhava com produções cinematográficas e, com as sobras do negativo, fazia fotografias dos pássaros. Nesse período, se envolveu com pessoas que compartilhavam e-mails por meio de um grupo, criado pelos biólogos Martha Argel, Fernando Straube e Tietta Pivatto, além de vários outros entusiastas da área, e passou a ter uma atuação mais próxima da observação de aves no Brasil.

Desse período até a idealização do Avistar e sua consolidação como um grande evento de reunião de observadores de aves, há muita história, que Guto Carvalho compartilhou com o Fauna News.

Fauna News – Como surgiu o evento Avistar? Ele já foi criado com a concepção de reunir observadores de aves e pessoas ligadas ao turismo de observação de aves?

Guto Carvalho –  O Avistar surgiu como uma tentativa de fazer um encontro presencial dos participantes do “Birdwatching BR”, que era um grupo de e-mails que circulava por volta de 2003, 2004. Como eu trabalhava com organização de eventos, fiquei responsável por organizar esse encontro. Nosso objetivo com esse grupo do Birdwatching BR era divulgar a cultura da observação de aves.

Desde o primeiro momento, tínhamos a percepção de que focar unicamente no turismo talvez não fosse um caminho possível naquele momento, porque não fazia sentido. Era mais importante, numa primeira etapa, divulgar a prática e desenvolver a cultura da observação para que o “ecossistema da observação de aves” fosse se desenvolvendo. Unir observadores, editores de livros (naquela época havia pouquíssimos livros para observação) para produzir informação que não fosse exclusivamente acadêmica, mas para a sociedade como um todo. Foi pensado como um macroprojeto de ciência cidadã, mas não apenas no sentido de haver uma coleta de dados provenientes da sociedade. Mas, sim, a produção de conhecimento para uso pela sociedade que estava despertando o interesse em conhecer a natureza que existe no Brasil.

O conhecimento científico dos ornitólogos, principalmente os que se formaram na década de 1980, serviu de base para os observadores de aves ampliarem seus conhecimentos e suas buscas por informações e registros fotográficos, que pouco havia. Essas informações, editadas em guias de observação, fizeram parte de uma primeira geração que, por sua vez, deram embasamento para que outros diversos guias fossem sendo construídos e, assim, o conhecimento ir se consolidando, junto com a prática. Ou seja, o Avistar não foi apenas concebido com a ideia de reunir observadores de aves, mas também como um evento de comunicação para difundir a prática dos observadores. Nesse primeiro momento, como eu já coloquei, o nosso foco era fortalecer a base de observadores e, com isso, movimentar todo o ecossistema de produção de conhecimento que as aves têm o poder de engendrar. Então, foi isso o nosso foco inicial.

Fauna News – Ao longo destes quase 30 anos em que você está envolvido com o birdwatching, quais as principais mudanças que você observou no mercado e na prática?

Guto Carvalho – Essas mudanças e avanços são vistos não só no Brasil, mas no mundo. Primeiro com os dispositivos digitais, como câmeras fotográficas, gravadores, inteligência artificial, entre outros. A observação de aves também se apropriou dessas ferramentas. Houve um fortalecimento, ao longo destes anos, da cadeia da produção de conhecimento da academia para uma popularização desses conhecimentos sistematizados, havendo um “looping” de realimentação através da ciência cidadã. O brasileiro quer conhecer suas aves e a observação de aves vem pra fortalecer o sentido de conservação da biodiversidade. E, na minha percepção pessoal, a prática do birdwatching vem para fortalecer o encantamento das pessoas. É uma ferramenta importantíssima para a comunicação da conservação e uma porta de entrada para muitas pessoas, no sentido de criar o senso de conservar.

Falando propriamente do Avistar, ele veio para criar e fortalecer essa cultura da observação de aves no Brasil, para brasileiros.

Posteriormente, o Wikiaves veio como um encaixe maravilhoso para completar essa estratégia. Se o Avistar é o espaço para a troca de afetos, de abraços, de negócios, o Wikiaves é a grande plataforma para troca de dados, de informação e de relações virtuais que venham a se concretizar no Avistar.

Fauna News – Como você vê o Brasil no cenário mundial da observação de aves?

Guto Carvalho – Inicialmente, apesar de a prática de observação ter uma estrutura mais antiga em países estrangeiros, não focamos em atrair esse público no Brasil. Vinte anos atrás, no início de tudo, o foco principal era a criação e o fortalecimento da cultura da observação em solo brasileiro, por brasileiros. Hoje, temos maturidade, ferramentas e estrutura suficiente para atingir também este público externo, contando com essa base fortalecida que foi construída. Foi fortalecer a observação no Brasil para brasileiros. Tanto que a grande quantidade de fotografias e registros importantes que temos é feita pelas pessoas em zonas rurais dos municípios. Isso é muito importante para entender como a observação de aves é uma prática no dia-a-dia das pessoas.

Talvez, a maior contribuição que tivemos foi desenvolver o amor das pessoas por aquele pedacinho de mato que sobrou lá no cantinho esquecido do país. Então, essa identificação faz com que as pessoas tenham orgulho da paisagem e da biodiversidade brasileiras. O turismo é uma consequência, uma camada que vem depois disso. O turismo está ligado à autoestima. A gente tem que trabalhar a autoestima do brasileiro com relação à sua natureza e é isso que a observação de aves faz. Ela transforma um terreno baldio, onde mora um mocho-diabo (Asio stygius), um brejinho, onde você acha um caboclinho (Sporophila bouvreuil), um pedaço de mata onde você acha um pavó (Pyroderus scutatus), ressignifica isso na cabeça das pessoas. Isso tem um valor que excede milhares de vezes, em ordens de magnitude, qualquer exploração econômica que venha a ser feita depois. Não que elas não sejam importantes; não que a gente não foque nisso, ao contrário, mas a grande mágica que foi feita foi valorizar cada pedacinho de mato que tem no Brasil, cada pedacinho de brejo.

E agora vamos transformando isso em produto. É assim que o processo caminha; é assim que a coisa é. Mas antes, a criação do valor. Para mim, a criação do valor da natureza foi o principal envolvimento dos brasileiros na observação de aves.

Fauna News – A respeito especificamente do Avistar, quais as grandes mudanças no evento que você vem observando ao longo das edições?

Guto Carvalho – Trabalhamos sempre com um crescimento incremental, ano após ano. Então, essa análise retrospectiva fica meio complicada porque são passos pequenos e bem consolidados. A gente não tem essa perspectiva marqueteira da inovação, mas sim de consolidação. Tudo é um processo evolutivo, que é caracterizado por um diálogo com um ecossistema permanente. O Avistar vem identificando as principais tendências do ecossistema de observação de aves e de natureza e tentando, de alguma maneira, oferecer um espaço para o país, criar um campo de expressão, um lugar onde as pessoas possam trazer suas ansiedades, suas descobertas, suas pesquisas.

Eu acho que é isso que a gente tem visto. E acho também que o Avistar dá muitos frutos e gera mudanças características das dinâmicas da sociedade. Por exemplo, vemos movimentos impactantes, como a Rede OrnitoMulheres, os Jovens Observadores, a estruturação do turismo e observação de vida silvestre, a estruturação da educação ambiental. Por exemplo, esse ano teremos quatro fóruns simultâneos acontecendo durante o Avistar, um ligado à observação de vida silvestre, um ligado à educação ambiental, outro ligado aos jovens observadores e outro ainda ligado à análise pré-COP30. Ou seja, estes movimentos vêm surgindo em grupos e têm caracterizado um pouco como o Avistar tem evoluído.

Fauna News – Gostaria de deixar uma mensagem ao público que ainda não observa aves?

Guto Carvalho – A mensagem para quem ainda não observava é simples: vem passarinhar! E eu termino assim porque eu acho que “vem passarinhar” é uma expressão genuína do que a gente entende como uma das grandes mudanças que houve na comunidade dos observadores de aves no Brasil; a comunidade das observadoras, das pessoas que observam aves, essa perspectiva multidisciplinar, autônoma, descentralizada.

Um dos maiores orgulhos que tenho é a quantidade de eventos que não são Avistar, que acontece no Brasil hoje. Encontros de observação de aves dos mais diferentes tipos e categorias. E um destaque muito especial para o Vem Passarinhar, que é uma iniciativa muito querida e que é muito importante. Autônomo, gratuito, descentralizado. É esse conjunto de valores que a gente tenta professar e estimular dentro das iniciativas do Avistar. E o Vem Passarinhar é uma iniciativa autônoma, super parceiro do Avistar, e a gente tem orgulho de ver isso florescendo e formando novas práticas, novos tipos de encontros, novas realizações possíveis.

Talvez, quem sabe, você passe a observar aves e comece a despertar seu olhar para o ambiente todo, fazendo uma observação mais consciente, vendo o ecossistema como um todo, trazendo mais qualidade de vida. Vem passarinhar!