Por Dimas Marques
Editor-chefe
dimasmarques@faunanews.com.br
Em 31 de janeiro de 2021, a Folha de S. Paulo publicou a reportagem “Lista com bichos silvestres quer ampliar mercado de pets no país”. A matéria informa que a Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), entidade que representa as secretarias de meio ambiente dos 26 Estados brasileiros e do Distrito Federal, elaborou uma sugestão de Lista Pet em uma reunião virtual no final de 2020. O documento com centenas de espécies, inclusive consideradas perigosas e inadequadas ao mercado de bichos de estimação, foi enviado para o governo federal, que teria ficado com a responsabilidade de consolidar uma proposta a ser encaminhada ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Prevista para ser elaborada desde 2007, a Lista Pet é a listagem de espécies da fauna silvestre nativa que poderão ser legalmente reproduzidas e comercializadas no mercado de bichos de estimação. Até aquele ano, a falta de critérios únicos para todo o país fazia com que as então gerências estaduais do Ibama (que na época era o órgão responsável por licenciar empreendimentos de fauna) analisassem as solicitações de criação a partir de parâmetros próprios, contando com o conhecimento de seus analistas. Esse tipo de processo fez com que, em algum momento, espécies de felinos selvagens, primatas de médio porte e até de animais ameaçados de extinção obtivessem autorização para serem criadas comercialmente.
A Lista Pet seria uma tentativa de organizar esse mercado. Desde 2017, a listagem é objeto de discussão no Conama, onde ambientalistas, representantes de órgãos do poder público e comerciantes de animais silvestres estavam elaborando critérios para selecionar quais espécies poderiam ser criadas no Brasil. O processo está parado desde 2019, quando o conselho teve sua composição alterada pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (Decreto nº 9.806/2019).
Na reportagem da Folha de S. Paulo, a presidente da Abema, Mauren Lazzaretti (atual secretária de Meio Ambiente do Mato Grosso) e a coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Fauna da Associação, Tainan Oliveira (que trabalha no Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo) afirmam ter colocado na proposta enviada pela associação ao governo federal todas as espécies aprovadas até 2007. Outras espécies indicadas pelo grupo técnico que a assessora na questão também teriam sido incluídas.
O Fauna News, em artigo de 1º de fevereiro de 2021 (“Na boiada de Salles, está chegando a vez de uma Lista Pet absurda”) analisando as informações da matéria da Folha de S. Paulo, comentou a possibilidade de a proposta da Abema e do governo federal ser aprovada pelo Conama com sua atual composição predominantemente governista. Todo o processo de discussão feito a partir de 2017 correria o risco de ser ignorado.
Na tentativa de esclarecer as intenções da Abema e conhecer a listagem que enviou ao governo federal, o Fauna News entrou em contato com a associação em 22 de fevereiro de 2021 tentando uma entrevista com a presidente Mauren Lazzaretti. Após inúmeras trocas de e-mails com a entidade, em 4 de março recebemos uma resposta definitiva informando que a entrevista não seria concedida.
A Abema, um associação que representa todas as secretarias de meio ambiente dos Estados, ou seja, que representa órgãos de governos, se negou a responder às seguintes perguntas:
1) A Abema realmente montou um grupo técnico para elaborar uma proposta de Lista Pet?
2) Desde quando existe esse grupo técnico?
3) Qual a composição desse grupo técnico?
4) De quem partiu a iniciativa para a Abema propor uma Lista Pet?
5) A proposta de Lista Pet elaborada pela Abema é formada somente por espécies ou tem também uma proposta de critérios para a elaboração da listagem/escolha de espécies?
6) Quantas espécies estão na Lista Pet proposta pela Abema?
7) Poderia nos enviar uma cópia da Lista Pet proposta pela Abema?
8) Por que montar uma proposta de Lista Pet de forma paralela ao processo instalado no Conama?
9) Por que essa proposta de Lista Pet não foi enviada ao Conama e sim ao governo federal? Há a intenção de o governo federal trabalhar com a proposta da Abema e instituir uma listagem sem passar pelo processo do Conama?
10) Para qual órgão do governo federal a proposta da Abema foi enviada? Ao Ibama? Foi endereçada a quem?
11) A Abema não tem assento no conselho, mas cinco de seus associados têm. Se o processo de elaboração da Lista Pet continuar no Conama, uma listagem elaborada pelo governo federal e que tenha levado em consideração a da Associação pode ser aprovada no plenário. Essa estratégia também foi pensada?
12) A criação comercial de animais silvestres é prevista pela Lei nº 5.197/1967. Institucionalmente, a Abema é favorável à criação comercial de animais silvestres para atender a demanda do mercado pet?
13) Com um mercado legalizado de animais silvestres para fins de estimação, o poder público estadual (Estados e DF) tem de ter estrutura para licenciar esses empreendimentos (responsabilidade atribuída pela Lei Complementar nº 140/2011), fiscalizá-los, receber animais que seus proprietários não queiram mais ou abandonam (os Estados deveriam ter e incentivar a criação de centros de triagem e de reabilitação de animais silvestres – os Cetas, Cras ou Cetras), tem de investir na reabilitação dos animais que podem ir para vida livre, ter uma rede de empreendimentos de fauna para receber os que não voltarão para natureza, ter rede de áreas de soltura e inúmeros outros gastos com o erário.
Há ainda o fato de que, culturalmente, o poder público, permitindo a criação comercial legalizada, assinala para a população que não há problemas em ter animais silvestres como pets. Isso é o reforço de um hábito que é o grande motivador do tráfico de animais, pois grande parte da população não procura pelo mercado legalizado. E o tráfico gera mais gastos ao poder público, problemas de zoonoses (gastos com saúde pública) e é bastante cruel com os animais.
Vale ressaltar que o comércio legalizado não ajuda a combater o tráfico, já que as espécies mais criadas e vendidas legalmente são as mesmas mais traficadas no Brasil.
A Abema já fez algum tipo de discussão para mensurar o quanto os Estados gastam por causa do comércio legalizado de animais?
14) A senhora tem alguma informação que queira divulgar e não tenha sido perguntada.
O Fauna News está à disposição da Abema caso deseje responder a esses questionamentos e esclarecer suas posições sobre a Lista Pet e a criação comercial de animais silvestres para o mercado de bichos de estimação.