
Por Erika Schloemp
Moradora de Manaus (AM), ativista ambiental, bióloga e mestre em Ciências Floretais pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP)
Como acontece por todo Brasil, e também no Estado do Amazonas, as Secretarias de Meio Ambiente possuem um orçamento bem tímido em relação às outras repartições públicas. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas) de Manaus, por exemplo, possui apenas 0,4% do orçamento total da cidade. Por isso, muito pouco se investe em fauna silvestre.
Além disso, a Semmas durante muito tempo justificou não ter arcabouço jurídico para incluir a fauna em sua política de meio ambiente. Por esse motivo, o único espaço voltado para fauna que manteve foi a unidade de conservação Refúgio da Vida Silvestre Sauim Castanheiras, onde funcionou por muito tempo o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) municipal. Para se ter uma ideia da falta de compromisso e estrutura disponível, os veterinários que ali trabalhavam eram todos comissionados.
Em 2014, a Prefeitura de Manaus e o Governo do Estado firmaram convênio oficializando a gestão compartilhada desse Cetas. O convênio garantiria o repasse de verba estadual no valor de R$ 300 mil naquele ano que seriam investidos no fortalecimento do Centro. A gestão compartilhada da unidade permitiria que Semmas e Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) atuassem juntos nas atividades de recepção, identificação, triagem e avaliação dos animais silvestres provenientes de resgates ou entregas voluntárias.
O Cetas municipal, infelizmente, foi de mal a pior nas últimas duas gestões do atual prefeito. Não se tem detalhes sobre o status do convênio firmado em 2014. No final de 2016, sem segurança permanente para o local e o consequente furto de animais, o município achou que estava na hora de fechar o Centro. A partir daí sabe-se apenas que o Cetas do Ibama em Manaus é o único em funcionamento e o mesmo já anunciou na mídia estar lotado.
Atualmente, o Estado cruza os braços e afirma basear-se na Lei Complementar 140 de 2011 para afirmar que o esforço para cuidar da fauna silvestre deve ser tríplice (União, Estado e Município). Como resposta sobre a situação dos animais que precisam de resgate, o governo estadual acena com a construção de um novo Cetas em um futuro ainda distante.
Já existem boatos de que animais estão sendo recusados de serem resgatados, de que alguns em estado grave estariam sendo eutanasiados e de que outros estariam morrendo sem atendimento ou recusados na porta do Cetas do Ibama. Resgates de animais “pouco importantes” começam a deixar de serem realizados. Mas isso está certo? Um urubu é menos importante que um gavião? Uma mucura (gambá) é menos importante que uma iguana? A que ponto chegamos!
Nas discussões mais acaloradas, a solução apontada é o investimento em educação ambiental nas escolas. Mas convenhamos: isso é uma solução a longuíssimo prazo!
Todos os órgãos estão sobrecarregados. Falta pessoal, alimento, veículos e infraestrutura. O Município sempre foi o que menos atuava nessa causa, e agora, sem seu Cetas, está limitando seu trabalho ao plantio de mudas nas ruas da cidade e datas comemorativas.
O governo federal tem se esforçado em atender as demandas ambientais em todas as frentes. Seu Cetas (do Ibama) foi reformado e ampliado em 2016. A situação não deixa de ser grave também por faltarem veterinários concursados para atenderem os animais. Os viveiros e jaulas não comportam a quantidade de animais resgatados, doados e apreendidos em todo Amazonas. A entrada de animais tem sido maior que a saída. O motivo? O Amazonas possui apenas três criadores legalizados para receber os animais após atendimento no Cetas. Os zoológicos existentes, no Tropical Hotel e no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), do Exército, são pequenos e mais uma vez se encontram no seu limite de animais.
Queremos saber o porquê de o Estado não aplicar mais orçamento nessa tarefa enquanto não possui um Cestas montado. Já o Município afirma não poder conter o furto de animais, mas também não quer investir em segurança no centro do Refúgio da Vida Silvestre Sauim Castanheiras. Será que se o Estado fornecesse essa contrapartida (segurança) a “indisposição” de fazer um pouco pela fauna massacrada do Amazonas poderia ser superada?
Já existe um processo de denúncia em andamento no Ministério Público Federal do Estado do Amazonas. Resta saber se por lá essa crise ambiental será recebida com seriedade e urgência em resolver o impasse.
A temporada de soltar pipas está chegando. O que serão dos animais abatidos e feridos com linhas com cerol? Será que o gavião-carijó escapará de uma eutanásia por conta de sua asa amputada? Animais silvestres continuam sendo capturados e traficados, atropelados nas estradas e rodovias do Estado, queimados na rede de distribuição de eletricidade, atacados por cães e gatos e sofrendo maus tratos de humanos.
Sem resposta, a pergunta fica no ar: para onde serão levados esses animais?