Áreas de soltura e monitoramento de fauna: quem paga por elas?

Gostaria de compartilhar, neste artigo, algumas reflexões e preocupações importantes sobre as áreas de soltura de animais silvestres. Tenho pesquisado sobre áreas de soltura de fauna com o objetivo de cadastrar propriedades do Instituto Libio. Nossa atuação inclui o acolhimento de animais silvestres. Infelizmente, muitos não terão uma segunda chance em liberdade, merecendo uma vida digna, mesmo que em cativeiro. Para os que têm possibilidade de soltura, nos associamos a outras instituições para promover reabilitações. Nosso primeiro sonho é que a fauna silvestre permaneça na natureza, de onde nunca deveriam ter saído. O segundo é que os animais apreendidos que tenham condições de retornar à vida livre.

Acreditamos no papel fundamental e essencial das áreas de soltura para isso e temos profunda admiração por todos aqueles que abraçam essa causa – muitas vezes sem reconhecimento e, em sua maioria, se não for na sua totalidade, custeando suas atividades por conta própria.

Pesquisei dados sobre áreas de soltura: quantas são? Quantos animais são soltos? Como são organizadas as estratégias de soltura nas esferas federal e estadual e como se integram? Admito que mno tive muito sucesso nessa procura, talvez porque ainda não haja uma consolidação de dados em um único canal e eles estejam pulverizados em diferentes órgãos.

O número de apreensões é consideravelmente alto. Consequentemente, os centros de triagem e reabilitação de animais silvestres (Cetras) estão lotados e é fato que esses animais precisam de uma destinação. Pensando nisso, entendo que há uma importância nas áreas já cadastradas para fins de soltura, bem como a criação de novas.

Dados sobre áreas de soltura são poucos ou desatualizados

No Avistar (evento sobre observação de aves) ocorrido em maio deste ano, dentro do fórum “Turismo de observação de vida silvestre”, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, apresentou os seguintes números:

• 271.430 animais silvestres deram entrada no Programa Cetas Brasil, no período de 2020 a 2024. Destes, 164.255 foram destinados para soltura;
• 130 Áreas de Soltura de Animais Silvestres estão cadastradas no sistema do Ibama: 68 na Mata Atlântica, 38 no Cerrado, 15 na Amazônia, 11 na Caatinga e uma no Pampa.

No site do Ibama não há informações atualizadas, sendo apresentados apenas os dados de 2021.

No Plano de Destinação de Fauna – Painel da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do estado de São Paulo é possível ver os dados de 2017 a 2021. Nesse período, o total de fauna apreendida foi de 168.749, sendo que  52.643 foram destinados para soltura. De acordo com esse mesmo banco de dados, o Estado conta com 54 empreendimentos de Área de Soltura e Monitoramento de Fauna Silvestre (ASM) –  27 estão autorizados, 23 com cadastro ativo, três autorizados com pendências e recadastrados.

Cadastro via Ibama: simples, mas lento

Os processos de cadastramento das áreas de soltura podem ser realizados na esfera federal, via Ibama, e estadual, nos órgãos estaduais de meio ambiente. Já contei aqui como funciona o cadastro de áreas de soltura via Ibama e confesso que foi uma surpresa positiva na época. O cadastro em si, de fato, é simples, mas o contato com o Ibama está longe de ser simples. Não deve surpreender o fato de que o quadro de funcionários seja reduzido e não condizente com o número de demandas. Os servidores, por sua vez, também exigem reformulação de carreiras, o que tem motivado paralisações. Vale lembrar que são legítimas essas manifestações, mas inegavelmente impactam ainda mais um sistema frágil. Até o momento não conseguimos avançar.

Cadastro no Estado de São Paulo: complexo

No estado de São Paulo, dentro do rito de autorização de áreas de soltura e monitoramento de fauna, nos deparamos com a necessidade de diversos estudos. Confesso que, lendo o procedimento, me pareceu mais um atendimento ao licenciamento ambiental de empreendimento com atividades efetiva ou potencialmente poluidoras do que o cadastro de áreas de soltura.

No procedimento, são solicitados diversos estudos como: histórico de uso e ocupação do solo, fatores antrópicos que impactam a fauna silvestre, inventário de fauna com dados secundários (baseado em literatura científica), inventário da fitofisionomia e estágio sucessional da vegetação, proposta para o levantamento primário de fauna (coleta de dados in loco), proposta de monitoramento e muito mais. O rigor e, diria inclusive, cuidado em entender as áreas que serão destinadas à soltura acredito que seja importante, afinal isso significa maior cuidado e talvez até garantia de sucesso dos espécimes que serão soltos. Mas quem paga por isso?

Proprietários de áreas de soltura ficam com todos os ônus

Conversando com a bióloga especialista em áreas de solturas Adriana Prestes, com quem compartilho esta coluna juntamente com Silvana Davino, soube que já houve inclusive uma manifestação a respeito encaminhada para a Semil. Trago aqui um trecho sobre a questão do financiamento para as Áreas de Soltura e Monitoramento da Fauna Silvestre (ASM):

“As ASM são basicamente financiadas pelos seus proprietários, seja na construção de viveiros, seja na contratação de profissionais, seja na manutenção de comedouros que podem consumir uma grande quantidade de alimento em um ano. Até mesmo a retirada de animais de Cetas é feita muitas vezes pelos proprietários. Raros são os casos de doações ou financiamentos por terceiros… todo esse montante é custeado graciosamente por particulares para uma atividade cuja responsabilidade é do Estado, que tem o dever constitucional de proteger a fauna silvestre… A ausência de financiamento público para as atividades das ASMF é uma questão tão séria que muitas têm adotado a constituição de personalidade jurídica para a tentativa de recebimento de doações, seja de particulares ou de empresas”.

Busquei informações sobre o processo e o funcionamento para o cadastro de áreas de soltura de animais silvestres de outros Estados para maior compreensão das exigências. Não encontrei em todos. Naqueles em que localizei, compartilho aqui:

• Alagoas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Piauí, Tocantins: se assemelham ao processo de cadastramento do Ibama, não havendo relação de estudos que geram custo no cadastramento.

• • IMA – AL
  • Sema – MT
  • Imasul – MS
  • IEF – MG
  • SEMAR – PI
  • Naturatins – TO

No Maranhão, Rio de Janeiro e Paraná, seguem uma linha de exigências que se aproxima mais ao estado de São Paulo.

• • Sema – MA
  • Inea – RJ
  • SEDEST – PR

A verdade é que o problema do tráfico de fauna,  que gera apreensões e a destinação desses animais até sua soltura, é frequentemente esquecido. A segunda chance desses animais depende de instituições com o desejo de transformação, que enfrentam processos sem nenhum apoio financeiro. Essa responsabilidade é do Estado, que precisa apoiar e buscar alternativas e mecanismos de suporte para essas instituições.

Quem paga essa conta? Financeiramente falando, são as pessoas e instituições que se dedicam a realizar esse trabalho. Quem realmente perde e são os mais prejudicados são os animais e, depois, nós, seres humanos, que sofremos as consequências da falta de conservação do meio ambiente.

Este não é um texto para gerar desesperança, mas para impulsionar mudanças e discussões que possam alterar esse cenário. Todos nós somos agentes de mudança. Gerar informações, discussões e trazer à tona essa realidade “despercebida” podem abrir novas perspectivas e soluções. O apoio financeiro e a conscientização são fundamentais para que possamos vencer mais batalhas pela proteção da nossa fauna.

Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
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