Alterações na Lei de Crimes Ambientais propostas pelo governo Lula não servem para fauna

Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei (PL) que altera a Lei nº 9.605, de 1998 (Lei de Crimes Ambientais), aumentando as penas previstas para alguns delitos. A iniciativa é uma resposta aos incêndios propositais em áreas com vegetação nativa que ainda hoje ocorrem no Pantanal, na Amazônia e no Cerrado.

Mas, para os crimes contra a fauna, a proposta não vai servir para muita coisa…

Para os silvestres

Dois pontos do projeto de lei foram divulgados pelo governo:

– Para o artigo 29 (“Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida”), que trata de condutas ligadas ao tráfico de fauna e à caça, a pena em caso de condenação muda dos atuais seis meses a um ano de detenção (e multa) para entre um e três anos de detenção (e multa).

– Para o artigo 33 (“Provocar, pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais, o perecimento de espécimes da fauna aquática existentes em rios, lagos, açudes, lagoas, baías ou águas jurisdicionais brasileiras”), a pena em caso de condenação muda de um a três anos de detenção ou multa (ou ambas cumulativamente) para detenção de dois e quatro anos e multa.

Em caso de as alterações propostas serem aprovadas pelos parlamentares, as condutas criminosas citadas em ambos os artigos não mais estarão submetidas à Lei nº 9.099/1995. Ou seja, por não serem mais crimes de “menor potencial ofensivo”, os infratores não se beneficiarão mais da transação penal – acordo feito com o Ministério Público em que o suspeito paga uma multa ou cumpre algum tipo de serviço social para que não seja aberto processo judicial.

Assim, os casos não mais serão registrados por meio de termos circunstanciados, obrigando a polícia a elaborar boletins de ocorrência para instauração de inquérito e posterior investigação. Há, portanto, um ganho.

Entretanto, como as punições propostas continuam inferiores a quatro anos, os infratores envolvidos em condutas criminosas previstas em ambos os artigos não podem ter a prisão em flagrante convertida em prisão preventiva (Lei nº 12.403/2011). Isso quer dizer que o suspeito responderá pelo crime em liberdade.

O projeto de lei também não avançou em tipificar o tráfico de animais como um crime e em diferenciar o traficante de fauna de quem cria animais silvestres como bicho de estimação – pela lei, há uma previsão de tratamento igual entre esses dois tipos de infratores.

Falta de estudo ou factoide

O governo Lula não estudou os problemas para, efetivamente, propor soluções à impunidade que caracteriza artigos da legislação ambiental que deveriam proteger a fauna silvestre. Para os animais silvestres, o projeto de lei é ineficaz!

Qualquer iniciativa de endurecimento de penas para crimes como caça e tráfico de animais tem de prever reclusão acima de quatro anos. E isso é bastante conhecido, pois já há inúmeros projetos de lei tramitando no Congresso Nacional com essa intenção.

Não dá para alegar um erro por ineditismo da iniciativa. É falta de estudo – o que é grave! –  ou criação de factoide para enganar a opinião pública – o que é mais grave ainda!

Desde 2003 há projetos de lei tramitando no Congresso Nacional endurecendo as penas para o tráfico de fauna, por exemplo. O PL nº 347 daquele ano, resultante de uma CPI sobre o comércio ilegal de silvestres realizada na época e que está pronto para ser votado pelo plenário da Câmara dos Deputados há anos, tem outros 41 projetos de lei apensados a ele. E muitas propostas tipificam o crime, diferenciam bandidos de pessoas que compram os animais e determinam penas com mais de quatro anos de cadeia.

Programa de governo de Lula não citava a fauna

Vale lembrar que o programa de governo de Lula – coligação Brasil da Esperança (PT, PC do B, PV, Solidariedade, Psol, Rede, PSB, Agir, Avante, Pros) – registrado na Justiça Eleitoral para as eleições de 2022 não apresentava uma linha sequer com ações diretas pela conservação da fauna silvestres. Aliás, explicitamente sobre animais, no documento “Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil” consta apenas (item 46):

“Nosso compromisso com a afirmação de direitos é amplo e inclui a proteção e a garantia dos direitos dos animais por meio de campanhas educativas e o apoio a iniciativas públicas e da sociedade que tenham eficácia no cuidado animal.”

No mais, o programa de Lula aborda exploração sustentável da biodiversidade em vários pontos.

O governo Lula foi eleito sem proposta pensada para a conservação dos animais silvestres. E, ao que parece, mesmo já próximo da metade do mandato, assim continua.