
Por Dimas Marques
Jornalista, pesquisador do Diversitas-USP e editor responsável do Fauna News
dimasmarques@faunanews.com.br
A Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) é a primeira organização da sociedade civil com foco quase exclusivo no combate ao mercado negro de fauna que é eleita para uma cadeira no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). A ONG, capitaneada por Dener Giovanini, agora faz parte do seleto grupo de 11 entidades ambientalistas do país com direito a voto no colegiado. O mandato é de dois anos, encerrando-se em 2019. Os representantes da Renctas são o coordenador executivo da instituição, Raulff Ferraz Lima (titular), o biólogo e conselheiro técnico, Ítalo Pompeo Sérgio Mazzarella (primeiro suplente), e o presidente da Associação Brasileira de Criadores e Comerciantes de Animais Silvestres e Exóticos (Abrase), Luiz Paulo Meira Lopes do Amaral, o Lula (segundo suplente).
A eleição aconteceu em dezembro de 2016 e os nomes que representarão a Renctas foram oficializados em 7 de fevereiro de 2017 por meio de portaria do Ministério do Meio Ambiente. O Conama é o órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) integrado por representantes dos governos federal, estaduais e municipais, das organizações não governamentais e do setor produtivo. Para ter direito a se candidatar a uma das vagas no Conama destinadas às entidades ambientalistas, as organizações não governamentais têm de estar inscritas no Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas (CNEA).
Presidido pelo ministro do Meio Ambiente, cargo hoje de José Sarney Filho (que é integrante do Conselho Consultivo da Renctas), o Conama assessora o governo federal na definição de suas ações para a conservação e exploração dos recursos existentes na natureza. Os conselheiros podem propor resoluções sobre normas e critérios para o licenciamento ambiental, sobre normas e padrões nacionais de controle da poluição por veículos automotores, aeronaves e embarcações e sobre critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade ambiental visando ao uso racional dos recursos naturais.
O editor responsável pelo Fauna News, Dimas Marques, entrevistou Dener Giovanini, coordenador-geral da Renctas.
Dimas Marques – A apuração da eleição para os novos representantes das entidades ambientalistas no Conama aconteceu em 1º de dezembro de 2016 e a Renctas foi eleita para ser um dos dois representantes da região Centro-oeste. Essa foi a primeira vez que a Renctas participou da eleição?
Dener Givoanini – Não, faz alguns anos a Renctas apresentou a sua candidatura em uma eleição para o Conama, mas acabamos por nem trabalhar a nossa candidatura, pois estávamos envolvidos em outros projetos e acabamos não tendo a oportunidade dar a atenção ao processo.
Dimas Marques – Desde quando a Renctas está inscrita no Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas (CNEA)?
Dener Giovanini – Desde de 2003.
Dimas Marques – O que motiva a Renctas a participar como membro do Conama? Quais são os objetivos da Renctas no Conama?
Dener Giovanini – Queremos dar a nossa contribuição, apresentar propostas e tentar criar um espaço mais significativo dentro do Conama para as questões que envolvem a biodiversidade. Acreditamos que o Conama pode contribuir mais ativamente para a conservação dos recursos naturais.
Dimas Marques – Na edição de 8 de fevereiro de 2017 do Diário Oficial da União, está publicada a Portaria 30 em que são indicados oficialmente os membros de algumas das entidades ambientalistas eleitas para o Conama no biênio 2017/2019. Os membros da Renctas são:
a) titular: Raulff Ferraz Lima (biólogo e coordenador executivo da Renctas);
b) primeiro suplente: Ítalo Pompeo Sérgio Mazzarella (biólogo, consultor técnico da Rentas, proprietário da uma empresa de consultoria e gestão ambiental e ex-presidente do Conselho da Fundação Florestal do Estado de São Paulo, órgão responsável pela gestão das unidades de conservação do governo paulista);
c) segundo suplente: Luiz Paulo Meira Lopes do Amaral (presidente da ABRASE – Associação Brasileira de Criadores e Comerciantes de Animais Silvestres e Exóticos).
Qual a ligação de Luiz Paulo Meira Lopes do Amaral com a Renctas?
Dener Giovanini – O Luiz Paulo Amaral é um consultor da Renctas. Ele também contribuiu com a Renctas na realização do I Relatório Nacional sobre Gestão e Uso Sustentável da Fauna Silvestre, que lançamos ano passado. Além disso, o Luiz Paulo Amaral foi convidado por mim para compor o nosso Conselho Técnico.
Dimas Marques – A Renctas foi fundada em 1999, mas eu acompanho o trabalho de vocês desde 2001, quando foi publicado o 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre. No capítulo Considerações Finais do relatório consta que a Renctas considera que o comércio de animais silvestres, seja de criação em cativeiro ou de manejo sustentável na natureza, alternativas para combater o tráfico de fauna. Para a realidade brasileira, o manejo pela caça e coleta de espécimes foi considerado inviável pela Renctas e o comércio de espécimes criados em cativeiro uma alternativa – apesar de ser feito o alerta de haver potenciais problemas quando se trabalha com animais de espécies ameaçadas. Em 2016, no I Relatório Nacional sobre Gestão e Uso Sustentável da Fauna Silvestre, a Renctas reitera o apoio à ampliação do comércio de animais silvestres, principalmente para pets (bichos de estimação), tanto que há até um capítulo sobre o assunto.Esse é o motivo para a Renctas ter Luiz Paulo Meira Lopes do Amaral como segundo suplente?
Dener Giovanini – Primeiro é necessário esclarecer que a Renctas não “apoia a ampliação do comércio de animais silvestres”. Essa é uma visão muito simplista sobre uma questão que é muito complexa. A Renctas defende uma Política Pública de Gestão de Fauna que vai muito além do comércio legal de fauna silvestre. A gestão de fauna no Brasil está muito distante do que seria ideal. Temos problemas graves em diversas frentes, que provocam danos irreparáveis à fauna do país, como as grandes obras de infraestrutura, o desmatamento, as queimadas, a ocupação humana desordenada sobre áreas de proteção, enfim, para todos os lados que olhamos, os problemas são grandes. Sobre o comércio legal de fauna, a Renctas defende estritamente o que está na legislação. O comércio legal de animais silvestres não só é permitido, mas como estimulado na lei, e são muitas as que tratam o tema dessa forma, inclusive inúmeros tratados e acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário. Portanto, não há que se falar sobre ser contra o que manda a legislação. O que nós defendemos é que essa legislação seja aprimorada no sentido de evitar insegurança jurídica. Sempre que isso ocorre quem paga a conta são os animais. Enquanto o Brasil permitir a criação de fauna, nós vamos trabalhar para que essa atividade seja monitorada e melhorada em todos os seus aspectos. Se você me perguntar se hoje o comércio legal ajuda a combater o tráfico de animais, a minha resposta seria um convicto não. No futuro, a criação legal pode ajudar a diminuir o tráfico de animais? Sim, pode. Mas seria necessário uma série de mudanças legais e estruturais. E é sobre esse ponto que estamos dedicando a nossa atenção.
Sobre o fato de ter o Luiz Paulo Amaral como suplente, é uma grande honra para nós. Ele sem dúvidas é hoje uma das pessoas que mais conhece e entende tecnicamente sobre criação de fauna silvestre. Além de ser geógrafo e advogado com mestrado na CITES (sigla da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção), ele tem uma extraordinária experiência prática sobre comercio de animais, uma vez que atuou comercialmente no ramo por muitos anos. Ter esse conhecimento à nossa disposição é um privilégio.
Dimas Marques – O fato de a Renctas apoiar a ampliação do mercado legal de animais silvestres criados em cativeiro para servirem como bichos de estimação foi o que motivou a instituição a estabelecer uma parceria com a Associação Brasileira de Criadores e Comerciantes de Animais Silvestres e Exóticos (Abrase) e a Federação Brasileira dos Criadores de Pássaros (Febraps)?
Dener Giovanini – Como já foi dito, não apoiamos a ampliação de mercado algum. Defendemos a sua regulamentação, o que se traduz por normas claras e menos burocráticas. Aliás, a burocracia governamental é uma das principais fomentadoras da corrupção. Quanto mais burocracia, mais frágil é a fiscalização e maior é a possibilidade de fraudes, o que só favorece a ilegalidade, seja que setor da economia for.
Faz alguns anos que a Renctas tem estreitado sua colaboração com diversas instituições que representam mantenedores de fauna silvestre. Isso tem sido fundamental para conhecermos mais profundamente o tema e, principalmente, para colhermos dados que nos permitam ter uma visão mais holística sobre a criação e o comércio legal de animais silvestres. O diálogo e a colaboração com entidades como a Abrase e a Febraps (que se fundiu com a Federação Ornitológica do Estado de São Paulo) têm sido muito gratificantes e produtivo. Queremos conhecer profundamente as dificuldades, os entraves e os anseios dos mantenedores de animais silvestres no Brasil. Essas instituições têm nos ajudado muito. Assim como elas, mantemos um permanente diálogo com representantes de outros mantenedores de fauna, como os zoológicos, por exemplo. Não é possível a ninguém apresentar soluções viáveis e reais sem conhecer profundamente o assunto que está tratando. Seja ele qual for. Imagine somente a criação doméstica de pássaros silvestres. Estima-se que existam registrados oficialmente nos sistemas do Ibama cerca de 300 mil criadores. Se cada um deles tiver cerca de 10 pássaros, serão 3 milhões de aves em ambiente doméstico. E é sempre bom ressaltar que estamos falando apenas de criadores legais, devidamente autorizados pelo Ibama. Então, como devemos tratar essa questão? Simplesmente ignorando esse fato ou tentando criar meios para que esses pássaros em ambiente doméstico tenham o melhor tratamento possível? Observe que estamos falando de pássaros domesticados. Soltá-los é inviável e alguns ainda estarão aqui pelos próximos 20 ou 30 anos. Há quem seja contra a criação doméstica, uma opinião que respeitamos, pois trata-se de uma convicção pessoal. Mas quando tratamos de políticas públicas não podemos atuar com base em opiniões pessoais.
O Fauna News esclarece que tem um ponto de vista diferente ao apresentado por Dener Giovanini, da Renctas. Resumidamente, consideramos que o comércio legalizado de animais silvestres como bichos de estimação é um incentivo ao tráfico de fauna. Desde o início da formação do Brasil, o hábito de indígenas e de colonizadores europeus de manter animais silvestres como bichos de companhia existe. Tal cultura motivou o comércio de fauna, que praticamente não foi controlado pelo poder público.
Somente no século XX, os governantes brasileiros começaram a tratar do assunto com mais atenção. Ainda assim, apesar da existência de leis (boa parte delas inócuas), a fiscalização é ineficiente. Não temos, no Brasil, uma política de gestão de fauna silvestre.
Essa cultura baseada na utilização irrestrita da fauna como animais de estimação está enraizada em boa parte da população e, consequentemente, dos gestores públicos, legisladores e magistrados. Mesmo as pessoas que não têm animais silvestres em casa consideram normal que seu vizinho tenha pássaros em gaiolas, papagaios em poleiros ou macacos acorrentados.
Além de não fazer com que a demanda do mercado negro migre para o comércio permitido (por questões de preços e de produção), a possibilidade de comprar um animal de procedência legal (de criador autorizado) continuará reforçando a cultura da utilização irrestrita de animais silvestres como pets. E essa cultura é o grande motor da maior parte do tráfico de fauna no Brasil.