
Análise de Barbara Arisi¹ e Maycon Melo²
Amazônia Real
¹Jornalista, antropóloga, professora da Vrije Universiteit Amsterdam e do Amsterdam University College, na Holanda, e colunista da Amazônia Real
²Antropólogo, cientista social e professor do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente da Universidade Ceuma (MA)
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Dois caçadores ilegais foram presos no município de Arame, a 476 quilômetros da capital São Luís (MA), na última quarta-feira (20), por matarem uma onça-preta na semana passada dentro da Terra Indígena Araribóia, no município de Amarante do Maranhão (MA). Um vídeo divulgado nas redes sociais pelos caçadores, onde exibem com zombaria uma enorme onça abatida, circula pelo país chocando a quem o assiste. O caçador, além de ter cometido o crime de matar um animal silvestre (crime previsto pela Lei nº 9.605/1998 e passível de punição por pena de seis meses a um ano de reclusão e multa), ainda fez uma ameaça: “se não quiser morrer não se arrisque na minha frente não, se fiz isso com um bicho desse aqui, imagine com um guardião”.
Vídeo em que caçador exibe onça morta
O “guardião” ao qual o caçador se refere em sua fala são os indígenas do povo Guajajara, que criaram o grupo de proteção e vigilância em terras indígenas (TIs) e que monitoram as áreas de conservação etno-ambiental, tentando conter e combater, com muita dedicação, mas pouco ou nenhum apoio financeiro, a presença de desmatamento, fogo e invasores.
A imagem desse esplendoroso animal morto de forma criminosa é só a ponta dos problemas nessa parte da Amazônia. Há mais de uma década, os povos indígenas que vivem nessa mesma região – o povo Guajajara que vive na Terra Indígena Araribóia; o povo Gavião, na Terra Indígena Governador; e o povo Krikati, que vive no território que leva o seu mesmo nome – denunciam a invasão de seus territórios.
O desmatamento, os incêndios, a presença de caçadores e coletores ilegais, assim como o avanço de atividades ilegais de agronegócio nessas TIs têm culminado num cenário de colapso ambiental, de conflitos e morte.

Em 2019, Paulo Guajajara foi morto durante uma emboscada de madeireiros. Paulo era parte do grupo Guardiões da Floresta e foi morto enquanto fazia o monitoramento do seu próprio território na mesma data em que uma comitiva da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) fazia uma manifestação pública em Amsterdã, na Holanda, como parte da campanha “Sangue Indígena: Nenhuma Gota a Mais”.
Os indígenas que são do grupo Guardiões da Floresta também são chamados os Vigilantes do Território, uma política de gestão territorial que se repete em outras TIs da Amazônia. A criação de grupos de guardiões indígenas foi motivada pela necessidade, devido à inação e morosidade dos órgãos públicos que têm a atribuição de zelar pela conservação, segurança e proteção das pessoas, plantas e animais que vivem nas terras indígenas.
Com pouco ou mesmo nenhum apoio, os guardiões da floresta fazem um trabalho perigoso e que nem deveria ser deles. Fazem pois não há quem faça e porque as terras indígenas é a casa onde eles e elas moram com suas famílias e suas comunidades. Os guardiões estão constantemente arriscando a vida ao cruzar com homens criminosos e perigosos, como esses caçadores que mataram a onça preta. É difícil assistir ao vídeo sem ficar impactado com mais essa cena macabra da história brasileira. O caçador ameaça aos guardiões da floresta como se fosse ficar impune, como somos testemunhas ao ouvir o áudio do vídeo que circulou nas redes sociais.

Na última sexta-feira (22 de outubro), a Polícia Civil mostrou as fotos da pele da onça preta e as armas e munições apreendidas após a prisão dos caçadores em Arame (MA). Elas farão parte do processo criminal ao qual irão responder. A caça de animais, como a onça preta, animal em risco de extinção, de acordo com o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), é crime previsto na lei brasileira desde 1967.
A ameaça à povos indígenas é crime também. É trágico lembrar e pensar que tanto a onça preta morta como Paulo Paulinho Guajajara morreram assassinados tentando defender seu território, essa floresta magnífica que é a floresta Amazônica. Dá tristeza pensar em como assistimos atônitos a destruição cada vez mais acelerada dessa floresta preciosa em bio e sociodiversidade, que vem sendo queimada, desmatada, esburacada e destruída por empresas mineradoras, do agronegócio e por pastagens.
Pessoas como esses caçadores são os pequenos criminosos num mundo de grandes crimes de gente mais poderosa e igualmente culpada pela morte das onças, de rios e tantas pessoas indígenas. Elas deixam por onde passam uma terra arrasada, cheia de morte, sangue e apenas a pele e vestígios de seres magníficos como os da onça. Como somos antropólogos, aprendemos com os povos indígenas Matis e Gavião que o poder da onça segue na floresta. Bem, pelo menos enquanto houver floresta…