Por Maria Eduarda Vieira
Aluna de Jornalismo da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e integrante do portal Impacto Ambiental para o Projeto Nova Geração
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Recentemente, foram publicadas notícias de que alguns animais silvestres estariam repovoando Brumadinho (MG). Através de câmeras de monitoramento, foram avistados quatis, paca, mico-estrela, cachorro-do-mato e onça-parda na região. Em 2019, o município viveu um dos piores desastres ambientais do Brasil. A barragem de rejeitos de minério de ferro da Vale se rompeu, produzindo uma onda de lama tóxica que deixou uma grande área inabitável, tanto para a fauna quanto para as pessoas.
O professor do Departamento de Biologia Geral da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Adriano Paglia explica que não é possível saber se tais animais estão realmente vivendo na região afetada ou se só estavam de passagem. Mas ele afirma: “É uma boa notícia, pois significa que existem populações dessas espécies no entorno e esses organismos são importantes para o restabelecimento de processos ecológicos que podem favorecer a própria restauração do ambiente, como a polinização, a dispersão de sementes e a ciclagem de nutrientes.”
O monitoramento coordenado pela própria Vale começou logo após o rompimento da barragem e conta uma equipe composta por botânicos, agrônomos, engenheiros florestais e biólogos. Os registros dos animais foram feitos por 50 cameras traps, dispositivos de captura de imagem acionados automaticamente por movimento e calor. Os animais foram registrados em uma área de 12 hectares (cerca de 12 campos de futebol) que começou a ser reflorestado pela mineradora.
O processo para dar início efetivo ao reflorestamento efetivo da região atingida depende da autorização do Corpo dos Bombeiros, que ainda procura por desaparecidos. Após a liberação da área, começará a retirada dos rejeitos tóxicos, seguida do plantio de novas árvores com base nos relatórios dos engenheiros florestais.
A tragédia
Em janeiro de 2019, a barragem de rejeitos de minério de ferro da mina Córrego do Feijão se rompeu provocando 272 mortes humanas e diversos prejuízos para o meio ambiente. O número oficial de pessoas mortas é 270, mas a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (Avabrum) considera mais duas porque duas mulheres mortas no desastre estavam grávidas.
A barragem pertencente à mineradora Vale trabalhava com uma técnica chamada alteamento a montante, que consiste em ir subindo a barragem na forma de degraus à medida que o volume dos rejeitos aumenta. Esse é um método barato, porém pouco seguro, segundo o especialista em engenharia hidráulica e pesquisador da UFMG, Carlos Barreira Martinez.
É por isso que a Avabrum e ambientalistas consideram o rompimento da barragem como um crime cometido pela Vale. O processo contra a mineradora ainda tramita na Justiça. A presidenta da Associação, Alexandra Costa, espera que o crime seja julgado por júri popular e que a empresa seja devidamente punida. Sete pessoas ainda estão desaparecidas.
Antes da lama
O município de Brumadinho é historicamente impactado pela ação humana, seja pela pecuária, agricultura ou urbanização. Localizado no Quadrilátero Ferrífero, a vegetação não é primária, mas era uma área que possuía Mata Atlântica em estágio avançado de regeneração. Sobre isso, a superintendente executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), Maria Dalce Ricas, aponta que a cidade é um ecótono, o encontro entre os biomas Cerrado e Mata Atlântica. Devido a essa característica, a região era muito rica em biodiversidade, tanto da fauna quanto da flora.
O professor Adriano explica que entre as consequências diretas do rompimento estão cerca de 130 hectares de vegetação nativa atingida, soterramento do ribeirão Ferro-Carvão e o isolamento de manchas de fauna e cursos d’água, além da perda de muitos animais de pequeno e médio porte que estavam no caminho em que a lama passou.
Ele também chama a atenção sobre as condições não ideais do ecossistema. “Pode ser que, para algumas espécies, os habitat em restauração forneçam alimento e abrigo. Porém para aquelas espécies mais fortemente associadas a sistemas florestais, o ambiente ainda não está adequado. São necessários muitos anos, ou mesmo algumas décadas, para que uma área desmatada retorne às condições que permitam a ocorrência, persistência e reprodução das espécies da fauna que são dependentes de floresta”, finaliza.
Ações da Vale
De acordo com o Direito Ambiental, existe o princípio do poluidor pagador. Sendo assim, a Vale precisa reparar todos os danos que causou. Ao Fauna News, a mineradora afirmou que foram reflorestados os 15 hectares de áreas diretamente atingidas, onde o monitoramento é realizado, instalados poleiros e abrigos artificiais para animais, além de bebedouros destinados à fauna ao redor da região devastada.
Apesar das iniciativas, Maria Dalce faz críticas. “O lado ambiental foi profundamente relegado até agora. Nenhuma compensação ambiental veio ainda”, afirma. Isso porque o Estado precisa indicar o que a Vale deve fazer e esse acordo de compensação segue tramitando em órgãos ambientais.
Futuro da biodiversidade
Os grupos de animais sentiram de forma diferente os impactos da tragédia. Os morcegos, por exemplo, que possuem rápida capacidade de dispersão, possivelmente sofreram pouco com o rompimento enquanto vários pequenos mamíferos foram perdidos. A mesma lógica pode ser aplicada para outras espécies da fauna. Adriano ressalta ser importante continuar monitorando os animais para colher dados confiáveis que serão analisados.
Por último, ele acredita que o rio Paraopeba pode voltar a ficar limpo daqui uns anos. O curso d’água não recebe mais rejeitos de forma direta, pois estruturas de contenção do material tóxico foram construídas.
O acordo de compensação ambiental feito entre a mineradora, o governo mineiro, o Ministério Público de Minas Gerais, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública prevê medidas avaliadas em R$ 37,68 bilhões. Desse montante, cerca de R$ 11 bilhões ficam sob responsabilidade do Executivo mineiro. Para a reparação ambiental, ficou definido o valor de R$ 5 bilhões e R$ 1,55 bilhão para projetos de compensação social. Ademais, esse acordo é destinado para os danos coletivos e não interfere no processo criminal.
Maria Dalce explica que esse acordo em como base a ideia “A Vale faz, a Vale paga”, porém o governo mineiro precisa atuar no processo de definição da reparação ambiental. É necessário também, segundo a ambientalista, extinguir ações humanas danosas como caça, desmatamento, queimadas e poluição. Dessa forma, o ecossistema pode chegar o mais próximo possível de uma normalidade.