
Análise de Dimas Marques
Editor-chefe
dimasmarques@faunanews.com.br
Explodiu! Apesar dos esforços de muita gente para evitar o pior, não teve jeito. A bomba do descaso instalada no Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Ibama em Seropédica, na Baixada Fluminense, finalmente explodiu.
E as vítimas foram mais de 600 animais que, de acordo com reportagem veiculada ontem (22 de fevereiro) pelo telejornal RJ TV, da Rede Globo, morreram nos últimos quatro meses. Estrutura destinada a receber, tratar e dar destinação adequada a animais silvestres vítimas do tráfico de fauna, de atropelamentos, de queimaduras em redes de distribuição de eletricidades e de todo tipo de evento que lhes cause algum dano físico, o Cetas de Seropédica não suportou a um desleixo gerencial que durou anos.
A contagem regressiva para a explosão começou em 30 de julho de 2020, quando a empresa RCA, que com 10 funcionários prestava serviço de limpeza e mantinha equipes de tratadores para fornecimento de alimentos aos animais e cuidados com os recintos, informou a Superintendência no Ibama do Rio de Janeiro que não prorrogaria seu contrato. No mesmo dia, de acordo com a reportagem, o Cetas foi informado da situação.
Por 50 dias, o Cetas, ou melhor, os animais abrigados no centro, ficaram sem a assistência de tratadores. Outra empresa foi contratada emergencialmente, mas a prestação dos serviços durou somente até 17 de janeiro. Nesse período, a quantidade de mortes de animais aumentou. Era a bomba explodindo!
Quatro funcionários estariam responsáveis, hoje, por cuidar de 1.200 animais e de toda a estrutura do Cetas. Aves mortas estavam jogadas nos recintos, que se encontravam imundos. Esses mesmo animais, que sobreviveram ao cruel tráfico de fauna e de incidentes diversos, sucumbiram no local onde, teoricamente, deveriam ser reabilitados para ter uma segunda chance na natureza.

Inciso VII do parágrafo 1º do artigo 225 da Constituição Federal:
“Artigo 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público: (…) VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”
Na Lei nº 5.197/1967, consta sobre “destruição” de animais:
“Artigo 1º. Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha.”
Na Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), temos:
“Artigo 32 – Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.”
E se o delito for praticado por funcionário público:
“Artigo 68 – Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental:
Pena – detenção, de um a três anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano, sem prejuízo da multa.”
Uma equipe da Polícia Federal (PF) esteve ontem no Cetas. As investigações começaram. O Ibama também informou estar apurando o problema.
Hoje, pelo fato de os funcionários terem ido depor na PF, o centro permaneceu fechado. Deverá permanecer assim amanhã.
Desde março de 2019, o superintendente do Ibama no Rio de Janeiro, responsável pelo Cetas, é o contra-almirante da reserva da Marinha Alexandre Dias da Cruz. Todo comandante é o responsável final pelos atos de sua tropa. Ou vão fazer a “corda romper para o lado mais fraco”?
Dezoito anos de luta
Único centro de triagem para fauna não aquática do estado do Rio de Janeiro, o Cetas de Seropédica foi inaugurado em fevereiro de 2003 dentro da Floresta Nacional (Flona) Mário Xavier, no km 3,5 da BR-465, Km 3.5. Além de no local já existir uma estrutura de atendimento a animais silvestres do próprio Ibama, que fora transferida para lá do Parque Nacional da Tijuca, a proximidade com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro foi fator decisivo para a construção do centro ali.

O dinheiro para a instalação do Cetas veio de um processo de compensação ambiental da Petrobras, condenada pelo vazamento de 1,3 bilhão de litros de óleo cru da refinaria de Duque de Caxias na baia de Guanabara. O centro foi planejado para atender até 2.500 animais, uma quantidade que foi rapidamente atingida.
Como já se tornou tradição no Brasil, a ausência de planejamento do poder público fez com que as pistas do Arco Metropolitano do Rio de Janeiro (rodovia planejada para desafogar o tráfego nas vias de acesso à capital fluminense) cortassem a Flona e fossem construídas a 50 metros do Cetas. Desde 2014, ainda que tenham levantado muros para bloquear o barulho, os animais tratados no Cetas são expostos a altos níveis de ruído.
Uma das condicionantes do processo de licenciamento ambiental do Arco Metropolitano, em 2008, era a construção de um novo Cetas pelo governo do Estado. Houve até licitação para a obra, que nunca saiu do papel.
Em 2015, os problemas de gestão já apareciam:
“O recebimento de animais silvestres, apreendidos em operações de órgãos de fiscalização que combatem o tráfico e a comercialização ilegal de espécies nativas, está suspenso no estado. O motivo, segundo a superintendência do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) no Rio, é a impossibilidade de garantir ração e alimentos para todos os bichos, já que um termo de cooperação entre Secretaria de Estado do Ambiente com o Fundo Brasileiro de Biodiversidade (Funbio) ainda não foi assinado.
O Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), em Seropédica, na Baixada Fluminense, único no estado, paralisou o serviço e não há uma data para retomar as atividades. O Ibama garantiu que os 1.500 animais ainda em tratamento no Cetas não sofrem com a falta de alimentos ou maus-tratos.
Para atravessar o problema, o centro administra uma verba emergencial de R$ 16 mil liberada pelo próprio Ibama para gerir o espaço, que trabalha na identificação e reabilitação de animais silvestres, e com risco de extinção. Além disso, o centro de triagem tem contado também com o socorro da Ceasa e de supermercados parceiros, que entregam o excedente dos estoques para que os animais sejam alimentados.” – texto da matéria “Animais apreendidos não podem ser entregues em centro de triagem”, publicada em 27 de março de 2015 pelo site do jornal O Dia
O Brasil possui um total de 48 Cetas e Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras) dos governo federal, estaduais, municipais e de entidades privadas como ONGs. Todos trabalham no limite de suas capacidades, pois a quantidade é insuficiente para a demanda de fauna apreendida, entregue pela população ou resgatada.
Os centros do Ibama são os que estão em situação mais difícil. Problemas de infraestrutura e de falta de pessoal já são rotina – o que deve ter piorado com a redução de verbas destinadas ao órgão pelo governo de Jair Bolsonaro. Em novembro de 2020, o Fauna News comentou reportagem do site Metrópoles sobre a situação insalubre e precária enfrentada pelo Cetas do Distrito Federal. O próprio presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, admitiu o estado de calamidade da unidade.



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Sem Cetas e Cras, o já complicado sistema de gestão de fauna silvestre brasileiro implode.
Meio ambiente nunca foi prioridade para qualquer governante no Brasil. Nunca.
Dentro do pouco que é destinado para a gestão ambiental, principalmente pela União e pelos Estados, a fauna silvestre vive à mingua.