Por Dimas Marques
Editor-chefe
dimasmarques@faunanews.com.br
“A China proporcionou um alívio ao mamífero não humano mais contrabandeado do mundo: o pangolim. A lista de medicamentos aprovados da medicina tradicional chinesa de 2020 no país não inclui escamas de pangolim, presentes no documento há décadas. As escamas são vendidas há muito tempo em farmácias tradicionais na China como ingrediente em medicamentos legalmente permitidos para tratar de tudo, desde problemas de lactação até artrite.
O uso medicinal das escamas levou as espécies de pangolins do mundo – quatro na Ásia e quatro na África – à beira da extinção. Dezenas de milhares desses animais – que parecem tamanduás, mas com escamas – são mortos anualmente por causa de sua carne – considerada uma iguaria de luxo na China e no Vietnã –, além de suas escamas, discos curvos compostos de queratina, a mesma substância presente em unhas humanas.
“É a melhor medida isolada que poderia ser tomada para salvar os pangolins”, afirma Peter Knights, presidente da WildAid, organização sem fins lucrativos que busca reduzir a demanda por produtos derivados de animais silvestres. “A medida envia uma clara mensagem de que existem alternativas na medicina tradicional chinesa e, portanto, não é necessário o uso dos pangolins”, conta ele.
A revelação de que as escamas não são mais um medicamento aprovado chega dias após a China anunciar que atualizaria a situação dos pangolins segundo a lei de proteção de animais silvestres do país. Os pangolins agora são considerados Classe 1 – mesmo status conferido ao panda, tão amado pela nação –, que proíbe nacionalmente quase todo o comércio e usos dos animais.
A China não divulgou oficialmente sua farmacopeia de 2020, tampouco emitiu uma justificativa sobre a retirada dos pangolins da lista – a notícia foi divulgada pela primeira vez no jornal China Health Times.” – texto da matéria “Com medida do governo chinês, pangolins ganham novo fio de esperança”, publicada pelo site da National Geographic Brasil em 12 de junho de 2020
A medicina tradicional chinesa e a medicina tradicional praticada em outros países da Ásia são as responsáveis pelo tráfico das partes de animais de inúmeras espécies. É assim com as escamas dos pangolins, com chifres de rinocerontes e com ossos de grandes felinos (inclusive onças-pintadas caçadas na América do Sul), por exemplo. A utilização legalizada desses “ingredientes” incentiva um mercado ilegal e cruel em todo o mundo.
A situação torna-se ainda mais absurda pelo fato de que não existe qualquer comprovação científica de que tais partes de animais tenham princípios ativos que realmente curem doenças. No caso das escamas dos pangolins e dos cifres de rinocerontes, a queratina é a substância com os compõem. A mesma queratina que forma nossas unhas e nossos fios de cabelo.
Não se questiona a importância da medicina tradicional da China ou de qualquer outra cultura, como a dos indígenas. Mas já se tem certeza de que muitas dos materiais utilizados são inócuas na cura de doenças. A demanda pelas partes de animais tem levado muitas espécies à beira do abismo da extinção, além da aplicação de métodos cruéis para a extração de substâncias produzidas pelos organismos de alguns animais, como a bile retirada de ursos mantidos vivos em cativeiro.
A proibição da utilização das escamas de pangolins é um passo importante, mas pode ser um fator para encarecer o “produto” no mercado ilegal se a demanda continuar existindo. Mais do que mudar a legislação, o poder público chinês deveria atuar em campanhas educativas para que haja uma mudança no comportamento da população e dos responsáveis por receitar o uso desse material.
Se não houver mudança de comportamento, a nova determinação legal será tão inócua quanto a queratina das escamas de pangolins que consomem.