Por Maurício Forlani
Biólogo com mestrado em Zoologia. É gerente de Campanhas de Vida Silvestre da Proteção Animal Mundial no Brasil, onde trabalha desde 2017
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Hoje, mais do que nunca, tem se falado da proteção dos animais. Aqui incluo todos os animais, sejam eles domésticos, de produção, de exploração alimentar e os silvestres. Não são poucas as lives abordando temáticas relacionadas ao direito dos animais, ao manejo e à conservação da fauna silvestre, à gestão pública com silvestres e às diferentes vertentes da relação entre animais e os seres humanos. Especificamente para a fauna silvestre, o crescimento de sua abordagem está vinculado a temas de conservação da natureza, questões climáticas e, atualmente, às zoonoses potencialmente pandêmicas.
O movimento de proteção da fauna silvestre não se iniciou hoje. A Proteção Animal Mundial, entidade que represento, por exemplo, é uma organização não governamental global que há 50 anos trabalha pela proteção e bem-estar dos animais, sempre baseada na premissa de que lugar de animal silvestre é na natureza.
Uma das nossas campanhas é a Animal Silvestre Não é Pet, que atua para interromper a indústria que utiliza a fauna silvestre como animais de estimação, protegendo os animais de serem caçados, retirados da natureza e criados em cativeiro de forma cruel. Nos últimos anos, revelamos o crescente comercio internacional de lontras-anãs-orientais (vídeo abaixo) e o sistema de captura ilegal e exportação de papagaios-do-Congo.
Mais recentemente, a jornada cruel das serpentes píton-bola da África (vídeo abaixo) até as feiras de répteis. Contribuímos com a reclassificação da lontra-anã-oriental e da tartaruga-estrelada-indiana para o Apêndice I da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES), o mais restritivo, além do embargo global do transporte de papagaios-do-Congo africanos nas aeronaves da Turkish Airlines, identificada como uma das principais empresas de transporte dessas aves caçadas ilegalmente.
Muito se fala no Brasil que a criação comercial de animais silvestres é uma ferramenta contra a atividades ilegais, mas os dados não sustentam esta narrativa. Em 2019, lançamos o relatório Crueldade à Venda e observamos um forte vínculo na demanda comercial com as atividades do tráfico. Quando se compara as espécies de aves mais criadas legalmente, elas coincidem em até 80% com as da lista das espécies mais traficadas. Além disso, a falta de estrutura na gestão da fauna, frente à quantidade de criadores de animais silvestres e às demandas por atendimento de animais traficados, acidentados, rejeitados ou devolvidos ao Estado, faz com que exista um sistema de auto alimentação do comercio de animais silvestres.
No estado de São Paulo – que apresenta o melhor cenário em termos de estrutura na gestão de fauna no Brasil, mas ainda assim é o maior polo de comercio de fauna silvestres (legal e ilegal) – 87,6% dos papagaios-verdadeiros e 66% das araras-canindé enviados aos criadouros comerciais pelos Cetas (Centro de Triagem de Animais Silvestres) e pelos Cras (Centro de Reabilitação de Animais Silvestres) tinham origem no tráfico. Isso comprova o cruel ciclo vicioso que transforma animais nascidos na natureza em matrizes reprodutoras do comércio legalizado e a possibilidade de criadouros obterem matrizes de graça e ainda lucrarem com elas.
Não bastasse esses fatos, o Brasil, atualmente, explora comercialmente mais de 556 espécies silvestres (exóticas e nativas), sendo que mais de 250 são aves nativas destinadas ao comércio de pets. Mas, ainda assim, o Brasil não tem uma lista pet federal (lista com espécies da fauna nativa destinada à criação com finalidade de estimação). O que temos hoje são estados amparados pela Lei Complementar nº 140, de 2011, elaborando suas listas de forma contraditória, com marcos legais, como as restrições da criação de repteis exóticos.
A tão esperada lista pet teve uma jornada intensa de discussões durante todo o ano de 2018 dentro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), onde a Proteção Animal Mundial teve um papel vital na representação do direito dos animais, além de trazer argumentos técnicos para as discussões. Esses debates, muitas vezes, se perdiam no conceito do que, de fato, é um animal para o comércio de estimação (pet); conceito que se confundia nos debates com exemplos de animais mantidos por veterinários treinados em centros e zoológicos.
Animais de estimação, popularmente conhecidos como pet, são aqueles destinados ao cidadão comum: qualquer pessoa pode obter, basta entrar em uma loja ou site e adquirir. Não podemos esperar que a população que compra esses animais tenha o mesmo conhecimento e recurso que veterinários treinados. Isso é extremamente importante quando sabemos que 46% dos brasileiros compram animais silvestres por puro impulso e que 90% de todos os problemas clínicos com aves silvestres estão relacionados a questões alimentares motivadas por dietas erradas oferecidas pelas pessoas.
Algumas falas do movimento pró criação de silvestres como pets chamam muito a atenção e ganham espaço, como, por exemplo, pela exclusão da expressão “bem-estar animal”, fundamental na elaboração de todas as listas pet em diferentes países do mundo; a desconsideração sobre a falta de conhecimento de potenciais zoonoses e a ausência de protocolos sanitários específicos para a criação desses animais; a total negligencia em se pautar o tráfico de fauna nas discussões, de modo a não incluir ferramentas capazes de registrar a origem de animais na criação comercial; ou desconsiderar os comportamentos complexos de diferentes espécies, como o gato-maracajá (Leopardus wiedii) – espécie reconhecida por se alimentar nas copas das árvores – que, afirmam os criadores não sofreria na casa das pessoas pois podem se adaptar a subir no topo de geladeiras e armários.
Todos estes argumentos têm como objetivo facilitar a inclusão de potenciais espécies nativas na exploração comercial.
Na história moderna, não nos faltam exemplos de como a interação de humanos com animais silvestres é danosa: HIV, Ebola, SARS, MERS, COVID-19 e tantas outras doenças que a maioria da população não sabe, mas tiveram origem em animais. Agora, com a pandemia da Covid-19, é o momento para que governantes de todos os países junto com a população decidam qual caminho vamos seguir: se o das constantes pandemias e isolamentos ou o de um relacionamento saudável com animais, aceitando que o lugar deles é na natureza.
Para pressionar o bloco das 20 maiores potências mundiais, a Proteção Animal Mundial lançou uma petição global contra o comércio global de animais silvestres. A campanha bate de frente com uma indústria milionária que tira proveito de milhões de animais silvestres de todo o mundo, tudo por conta do lucro, sem pensar no bem-estar deles ou do seres humanos.
Por isso, o convido a assinar a petição e acompanhar nosso trabalho do Facebook, no Instagram, no Twitter e no site da Proteção Animal Mundial.
A pressão da sociedade civil é vital para que os governos se movam no sentido de proteger o bem-estar dos animais!
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