Arte e ativismo unidos pela conservação da biodiversidade

A arte tem um enorme poder de gerar conexão com as emoções e a consciência humana. Ela é uma ferramenta poderosa de sensibilização para as causas ambientais, possibilitando reflexões profundas sobre os impactos que o ser humano promove sobre a biodiversidade.

É possível unir arte e ativismo, promovendo mudanças na sociedade e impactando positivamente o meio ambiente.

Hoje, 15 de abril, comemora-se o Dia Mundial da Arte, data instituída pela Associação Internacional de Arte (IAA) em homenagem ao aniversário de Leonardo da Vinci, um dos principais nomes do Alto Renascimento e considerado um dos artistas mais completos de todos os tempos, um símbolo da liberdade de expressão e do multiculturalismo.

Para celebrar a data e mostrar como a arte engajada pode ser uma ferramenta na conservação da fauna silvestre, o Fauna News entrevistou o artista Fernando Berg.

Berg, como é conhecido, é paulistano e sempre retratou animais em suas obras na rua, tanto os brasileiros quanto representantes da fauna mundial. Pesquisador nato, surpreende-se ao encontrar relações biológicas e físicas dos animais e a natureza.

Em 2013, por exemplo, enquanto estudava para pintar um guará-vermelho (Eudocimus ruber), entendeu que o pigmento que dá coloração às penas da ave, o caroteno, provém do caranguejo chama-maré (Uca maracoani), principal fonte de alimento do guará.

Mas foi em 2018 que, após entrar em um embate político devido a uma proposta de trabalho que recebeu e perceber que a grande maioria dos brasileiros desconhece a riqueza da nossa biodiversidade, teve uma ideia: a partir daquele dia, só retrataria a fauna e a flora do Brasil. Sua arte passou a educar e gerar reflexões às pessoas que cruzam com suas pinturas pelas ruas de São Paulo e pelo país afora.

Fauna News – Além dos animais, você também retrata cenas de impactos que vêm, ano após ano, gerando perda de biodiversidade. Por quê?

Fernando Berg – Fiz uma pintura que intitulei “Todo ecocídio é também um genocídio“. Nessa pintura, fiz o mapa do Brasil junto às escamas de um tatu-canastra (Priodontes maximus), mas o mapa está queimando, representando os incêndios que acometem todos os biomas e atravessam fronteiras, atingindo também os países vizinhos, e vice-versa. A ideia foi mostrar que, sem nossas florestas, o impacto ambiental é mundial. Pontuei essa pintura para exemplificar um problema geral: sem floresta não existe o povo; povo esse que sobrevive da floresta de forma respeitosa – refiro-me principalmente aos povos indígenas e ribeirinhos -, mantendo sua sobrevivência conjunta com a floresta, ajudando também no reflorestamento e controle.

As cenas de impacto, quando falamos de perda de biodiversidade, na maioria das vezes estão relacionadas ao agro, com desmatamento, queimadas e exploração. Busco retratar o animal frente a essa cena de caos ou até mesmo fazendo parte da cena, buscando sensibilizar o espectador. Se, por exemplo, ele encontra uma cena do animal feliz e tranquilo na floresta, inconscientemente haverá a associação de que está tudo bem na floresta, de que não há impactos e desastres destruindo esses hábitats e a fauna. A arte urbana é essencialmente política, retrata o cotidiano das pessoas, retrata a realidade, além de ser informativa e comunicativa. Não é regra, mas é uma forma de expressão.

Não posso pintar animais se eles não existirem mais. Não posso pintar plantas se elas não existirem mais. Não quero falar de saudade ou falar do passado, se podemos procurar, mesmo que minimamente, preservar o que ainda temos.”

Se eu retratar algum animal ou planta já extintas, será para mostrar que foram extintos por ação humana e que ainda há milhares de outras espécies que precisam de hábitats saudáveis para seguirem existindo. Infelizmente, esses temas, assim como o ecocídio, são atemporais e vamos precisar falar sobre eles o tempo todo. Inclusive, por esse motivo, não coloco data em minhas pinturas, já que sempre são temas atuais.

Fauna News – Unir arte e defesa da biodiversidade tem sido cada vez mais relevante, até mesmo em projetos de conservação. Como você enxerga esse movimento?

Fernando Berg – Esse movimento está crescendo e sendo retratado com ilustrações, pinturas, esculturas, gravuras e diversas formas de expressões artísticas. Vejo que o assunto tem se expandido e quero reforçar a responsabilidade que os artistas carregam ao tratar de temas ambientais. Falar sobre meio ambiente “está na moda”, mas é preciso clareza e seriedade. Como qualquer assunto que vira tendência, muitos podem acabar romantizando os acontecimentos apenas a fim de lucrar, de ganhar mídia em benefício próprio, banalizando um movimento que luta diariamente em prol da conservação da biodiversidade.

O lado bom é que informações sobre os temas climáticos e de pressão sobre a biodiversidade chegam em mais pessoas. Por isso, é muito importante que estudem antes de entrar num tema tão delicado, que não é apenas belo, mas carregado de lutas e perdas. Por exemplo, se um artista influente, principalmente nas redes sociais, romantizar seu retrato sobre a biodiversidade, isso pode gerar muita complicação e desestruturar ações quando não há real engajamento com a causa. Muita gente usa a arte para maquiar acontecimentos ruins e fazer com que pessoas acreditem que está tudo bem. A pintura pode ser linda, mas a mensagem precisa chegar de modo incisivo, criando, ao menos, reflexão.

Fauna News – Todas as suas imagens trazem os animais com adornos e folhagens, como deuses. Há um significado?

Fernando Berg – Nos estudos que faço antes de pintar cada animal e planta, vou aprendendo sobre a importância de cada um deles na natureza. Essa importância, tanto do indivíduo quanto da espécie, me remete a uma exaltação do animal. Os adornos têm como referências cipós e plantas epífitas, primeiramente pelos movimentos que fazem, caindo e entrelaçando entre outras árvores, mas também são ideias benéficas. Muitos cipós tem importâncias medicinais, assim como as plantas epífitas, que acumulam água para outros seres vivos usufruírem, e servem também como alimento. As luzes dos adornos são representadas como uma energia dessas plantas e movimentos. Acredito que essa energia existe, mas não somos capazes de enxergar, então procuro retratar e apresentar dessa forma.

A floresta é a coroa dos biomas, os animais fazem parte como seres divinos, que retribuem semeando, controlando e protegendo. Em outros casos, os adornos e coroas são compostos também por plantas que representam o alimento daquele determinado animal. Por exemplo, como coroa de um bicho-preguiça utilizo uma embaúba iluminada atrás de sua cabeça, seu principal alimento. Somando com esses adornos e demais representações, procuro inserir as aves ou outros animais menores, como sapos, cobras, saguis. Retrato esdes animais menores como sendo parte das auréolas, que representa uma luz espiritual, associando à divindade e ao sagrado. Apresento-os como guias, conselheiros e observadores. Procuro colocar um olhando para cada lado, como se estivessem atentos e prontos para avisar sobre qualquer tipo de problema.

Sempre procuro colocar um animal encarando o espectador. Utilizo técnicas com pincéis, rolos e spray. Procuro trabalhar muito com texturas expressivas, destacando pelos, olhares, escamas, plantas e efeitos de luz e sombra. É uma forma de poder criar uma intimidade entre o muro e as pessoas, incomodando ou não.

Fauna News – Sua arte é essencialmente urbana, está nas ruas. Seus muros mais conhecidos estão nas ruas de São Paulo (SP), a maior metrópole do país. Qual a importância dessa arte engajada em um ambiente tão alterado, em que a natureza sobrevive?

Fernando Berg – Busco sempre retratar animais pouco conhecidos. Nossa biodiversidade é imensa e meu propósito é informar pela pintura e pelas conversas durante as pinturas, com a população que interage. Sempre que possível, coloco também o nome popular do animal retratado para democratizar o conhecimento. Falar das diferentes espécies e nomes ajuda a propagar a informação sobre a fauna e a flora brasileiras, criando e apresentando curiosidades, possibilitando que a pessoa leve essa informação, discuta com outras pessoas, pesquise a fim de entender mais sobre temas como extinção, importância da espécie na natureza, desmatamento etc.

Incluir animais e cenários pela cidade de São Paulo é criar também esse conflito entre natureza e concreto. Animais silvestres que são vistos na cidade não é lindo, representa alteração e diminuição do hábitat; representa que esses animais estão tendo que buscar novas alternativas em busca de alimentos devido à destruição da floresta. Representar a fauna em forma de pintura é trazer a imagem de que há algo incomum acontecendo, mas, além disso, mostrar quais animais temos no Brasil de forma didática.

A informação e a comunicação podem ajudar também na diminuição de pessoas querendo interagir diretamente com animais silvestres. As divindades e entidades nas pinturas nem sempre estão necessariamente vivas. Também reproduzo como um pós morte e ele retorna como uma entidade, para avisar sobre algo e para refletir. Por exemplo, pintei um colhereiro (Platalea sp.) com uma coroa de espada-de-são-jorge (Dracaena trifasciata), planta muito relacionada à proteção, que também tem um papel de purificação do ar, removendo toxinas. Nessa pintura, o colhereiro está em cima de uma garrafa pet e o cenário por trás é neutro, apenas um horizonte com cores que representam uma seca. A garrafa substitui um possível galho no qual ela poderia estar em cima. O colhereiro é uma ave indicadora de boa qualidade ambiental, principalmente da água, que é onde ele busca seu alimento. Então, essa imagem representa o colhereiro retornando, por não ter sobrevivido aos descartes irregulares e poluição nos rios.

Fauna News – Recentemente, você fez um trabalho com o projeto Grafitti Pra Cego Ver. Retratou o tatu-canastra (Priodontes maximus), espécie ameaçada de nossa fauna. Como foi a experiência de trazer esse aspecto da conservação para o público com deficiência visual? Por que escolheu o tatu como tema?

Fernando Berg – Foi uma experiência extremamente gratificante e tive um retorno muito agradável quanto à receptividade do projeto apresentado. Poder trabalhar de forma inclusiva, podendo propagar a nossa fauna para diversas pessoas, é algo muito incrível. Devemos procurar e criar maneiras de propagar a arte de forma democrática e acessível para toda a população. Procurei apresentar um animal no qual as texturas se destacassem bastante, então coloquei o tatu-canastra como protagonista dessa história. Incluí plantas e escamas, para que a experiência tátil sobre as camadas fosse aproveitada ao máximo. O tatu-canastra é conhecido como o engenheiro do ecossistema; cria tocas que outros animais utilizam como casa, como local de proteção e dormitório temporário. Dentro disso, o convite e proposta da agência Mosaiky, com o Graffiti Pra Cego Ver, cria essa conexão com o tatu, abrindo portas, tocas e lugares de conforto para que todos estejam próximos e protegidos, independentemente de quem seja.