O passeio pelas praias do Ceará neste período não raro pode ser agraciado com degustação de lagosta, crustáceo considerado nobre, sendo cobiçado e valorizado. Mas a pesca excessiva ao logo dos anos ameaça a população das espécies desse animal. Por isso, desde sábado (1º de fevereiro) até o fim de abril, quem for flagrado comercializando o produto pode ser penalizado. A medida é necessária para garantir o período reprodutivo.
A proibição do comércio de lagosta é determinada pela Portaria nº 221/2021, do antigo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que estabelece as regras para a pesca do crustáceo, incluindo as orientações sobre o período de defeso – prática de suspensão da captura do animal no mar durante determinados meses para proteger os ciclos de reprodução, crescimento ou migração de algumas espécies.
No caso da lagosta, o defeso vai sempre de 1º de novembro a 30 de abril e inclui a proibição de transporte, processamento e comercialização para todo o mercado nacional durante seus três últimos meses (fevereiro, março e abril). Nesse período, fica permitido apenas o armazenamento do estoque remanescente já declarado ao Ministério da Pesca e Aquicultura e a exportação dos produtos.
Pesca e comércio ilegais
“Temos dois problemas aí: a pesca e o comércio ilegais. Porque, para estar sendo vendida durante esse período, é porque, provavelmente, essa lagosta também foi pescada durante o defeso. E isso prejudica todos nós, pescadores, mas, principalmente a lagosta, porque ela precisa de tempo para se reproduzir, para se desenvolver, e aí então abastecer os novos ciclos de pesca”, explica o pescador artesanal Tobias Soares, coordenador do Sindicato dos Pescadores e Pescadoras Artesanais de Icapuí, município do litoral leste do Ceará, na divisa com o Rio Grande do Norte.
O defeso é uma das principais ferramentas para garantir a sustentabilidade da espécie. Quando respeitamos essas normas, defendemos a lagosta e o nosso sustento”, completa o pescador e dirigente sindical.
Com a comercialização ilegal das lagostas, as demais medidas adotadas pelo governo para a sua recuperação, como é o caso do limite de pesca estabelecido no ano passado, também têm sua efetividade reduzida. “A nossa expectativa é que todos os atores envolvidos com a cadeia produtiva possam se comprometer para realmente mudar essa cultura. Os estabelecimentos precisam se opor, se recusar a vender. Os turistas e os moradores também não podem aceitar o produto, caso ele seja oferecido, porque, muitas vezes, isso se dá também pelo comércio clandestino. A proteção das espécies é uma responsabilidade de todos nós” argumenta o diretor científico da Oceana, Martin Dias.
A Oceana é uma organização de advocacy sem fins lucrativos dedicada exclusivamente à conservação do oceano. Com base na Ciência, trabalha para recuperar a abundância dos oceanos e garantir a saúde da biodiversidade marinha por meio de mudanças nas políticas públicas de países que controlam mais de um quarto da pesca mundial.
Suas campanhas atuam contra a sobrepesca, a destruição de hábitats, a poluição por petróleo e plástico e a perda de espécies ameaçadas, como tartarugas, baleias e tubarões.
A pesca de lagosta é uma das mais importantes do Brasil e corresponde ao principal pescado de exportação do país. A espécie representa o sustento de mais de 15 mil famílias de pescadores e pescadoras espalhadas pelo Nordeste, principalmente nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco, seus maiores produtores.
Declínio da espécie
Apesar dos cuidados e das tradições relacionados com a pesca artesanal da lagosta, sua população vem apresentando forte queda. Diversos estudos apontam que a pesca excessiva causou, ao longo de décadas, reduções significativas nos estoques. As medidas de ordenamento, monitoramento e controle são fundamentais para que esse processo se reverta e a lagosta possa continuar se desenvolvendo até uma plena recuperação, beneficiando o meio ambiente e a pesca.
Martin destaca que a lagosta começou a ser pescada nos anos 1950 na costa brasileira e sempre foi muito difícil regular por se tratar um insumo valioso. Ele cita estudo da Oceana, publicado em 2020, que indica uma redução de até 80% da população do animal.