Nova metodologia revela 50 mil mamíferos mortos por incêndios de 2020 no Pantanal

Pesquisadores brasileiros concluíram que 50 mil mamíferos de médio e grande portes morreram nos incêndios de 2020 na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Sesc Pantanal, em Barão de Melgaço (MT). A unidade de conservação é a maior do tipo no Brasil e teve 90% de sua área queimada. O dado é resultado da aplicação de uma metodologia diferenciada, que leva em consideração a presença e a ralação das espécies em diferentes pontos de uma região.

Um estudo anterior, que se tornou referência para indicar a quantidade de animais mortos durante os incêndios no Pantanal de 2020, não considerou fatores importantes, como a proporção de áreas florestadas e a presença de cursos d’água – que são atrativos para algumas espécies, por exemplo. Esse trabalho, que levou em consideração todo o bioma (e não somente a RPPN), estimou que 17 milhões de espécimes da fauna silvestres perderam a vida naquele ano.

Já a nova pesquisa destacou que uma grande diversidade de fatores influencia na distribuição das espécies pelo território. Os impactos dos incêndios florestais sobre os animais tendem a ser espacialmente heterogêneos porque a densidade de indivíduos pode variar no espaço e os incêndios se comportam de forma diferente dependendo da configuração da paisagem.

Usar apenas informações de abundância ou ocorrência pode não representar completamente a distribuição de mortes. Por exemplo, a disponibilidade de rotas de fuga e a distribuição de abrigos, como tocas e corpos d’água, podem determinar a chance de sobrevivência de indivíduos”, citam os autores do estudo.

Nova metodologia para amostragem de carcaças

A conclusão partiu da aplicação da metodologia de parcelas, amplamente utilizada nos estudos de Ecologia de Populações para animais vivos. No caso do trabalho desenvolvido na RPPN Sesc Pantanal, a inovação foi utilizá-la para a amostragem de carcaças. Além disso, considerou-se aspectos da paisagem e interação das espécies com essa paisagem, bem como o comportamento dos incêndios nas diferentes paisagens.

O estudo foi conduzido entre os meses de setembro e novembro de 2020, período em que os pesquisadores contaram e identificaram carcaças de animais dentro de quadrantes determinados no interior da RPPN. A reserva possui 108 mil hectares.

As carcaças consideradas foram de vertebrados de médio e grande portes, especialmente mamíferos (animais com mais de um quilo). A amostragem detectou 196 carcaças de 21 das 27 espécies com ocorrência conhecida na área da RPPN. Os animais mais vitimados foram a cutia (Dasyprocta azarae), a capivara (Hydrochoerus hydrochaeris), o veado-catingueiro (incluídos Mazama guazouriba e Subulo guazouriba), o quati (Nasua nasua), o cateto (Pecari tajacu), o macaco-prego (Sapajus cay), o tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla), a anta (Tapirus terrestris) e a queixada (Tayassu pecari).

Respostas interessantes

O estudo é pioneiro na tentativa de criar um modelo para avaliação de carcaças distribuídas em um ambiente com diferentes hábitats e da relação das espécies com estes hábitats. A nova metodologia permitiu entender a relação das mortes com o ambiente e com a intensidade do fogo.

Além da informação dos 50 mil mamíferos mortos, a pesquisa indicou que locais com presença de corpos d’água artificiais, como açudes, localizados em pontos que não inundam na época chuvosa e que, consequentemente, tiveram incêndios mais severos, foram onde se encontrou o maior número de carcaças. Por exemplo, capivaras, que são animais com uma relação de vida muito ligada à água, foram mais encontradas próximos a esses ambientes. O estudo cita que o número de carcaças foi 7,5 vezes maior junto a corpos d’água artificiais do que em regiões florestadas.

Potencial para planejamento de conservação

Os resultados obtidos pelo estudo podem servir de base para o planejamento de estratégias de conservação para a região, pensando em áreas prioritárias para manejo do fogo, por exemplo.

O autor principal do artigo, o biólogo e pesquisador Ismael Verrastro Back, também pontuou a possibilidade de utilização, em uma visão macro para um território com incidência de incêndios, no resgate da fauna afetada, além de possível mapeamento de pontos para dessedentação e alimentação da fauna que sofrerão com a “fome cinza” – período com falta de comida por causa da destruição promovida pelos incêndios.

Com base nesses dados, é possível detectar os locais onde haverá mais animais com necessidade de resgate após a passagem dos incêndios”, afirmou Back.