Coronel Ângelo Rabelo: uma vida dedicada ao Pantanal

O presidente do Instituto Homem Pantaneiro (IHP), Ângelo Rabelo, é uma figura expoente quando se fala em proteção do Pantanal. Sua trajetória, que atravessa décadas, conta com sua atuação na Polícia Militar do Mato Grosso do Sul contra caçadores de jacarés a importantes projetos de monitoramento de incêndios no bioma.

Coronel Rabelo, como é conhecido, atuou na década de 1980 em ações coordenadas da Polícia Militar no combate ao tráfico do couro do jacaré, assim como auxiliou na fundação da PM Ambiental no Estado.

Hoje, presidente do Instituto Homem Pantaneiro, instituição que trabalha pela conservação do Pantanal e de seu povo há 22 anos, dedica-se à gestão de áreas protegidas, desenvolvimento de pesquisas e promoção de diálogo entre os atores com interesse na área.

Em fevereiro deste ano, passou a integrar o The Explorers Club 50, lista de pessoas que trabalham para ajudar a mudar o mundo.

O Fauna News entrevistou coronel Rabelo para conhecer sua visão sobre o futuro do Pantanal em meio a tantas pressões, como incêndios gigantescos, seca extrema e enormes impactos sobre a fauna.

Fauna News – Ao longo de seus 40 anos dedicados ao Pantanal, quais são as maiores dificuldades e desafios que o senhor enxerga na questão de sensibilização das pessoas pela conservação?

Coronel Rabelo – Existe um movimento positivo, de pessoas e empresas, olhando com mais atenção às questões ambientais; olhando com mais atenção para os biomas. Isso tudo traz uma motivação para todos nós que somos dedicados à causa. A luta pela defesa do meio ambiente sempre foi marcada por uma certa solidão, inclusive do próprio governo em certos momentos. O que noto é que agora a gente tem posições bem mais claras de apoio, seja do governo federal, do governo estadual, de grandes empresas que buscam perceber que precisam conseguir alguma coisa para somar esforços na conservação dos biomas.

Fauna News – Seu histórico de defesa contra a caça de jacarés no Pantanal foi um marco importante para a conservação desses animais. O tráfico de animais silvestres ainda segue forte, auxiliando na diminuição de populações de papagaios e passeriformes, por exemplo. Quais medidas o senhor vê como efetivas para que haja uma redução do tráfico de fauna no bioma?

Coronel Rabelo – É lamentável que a pressão em cima dos animais silvestres ainda continue acontecendo. Ela movimenta milhões de reais para satisfazer algo que é inexplicável, um egoísmo humano. E quero crer que, a despeito de todos os esforços que têm sido feitos por várias instituições, nós temos uma conquista muito significativa que foi a formação de forças policiais militares ambientais. Hoje, existem cerca de oito mil homens e mulheres dedicados a esse combate e à conservação ambiental dentro das forças de segurança. Em certo grau, ainda necessitam do reconhecimento e valoração por parte, principalmente, das instituições federais. Tenho certeza de que uma ação articulada que potencializasse esses efetivos ajudaria muito a reduzir, de maneira significativa, essa ameaça que existe a inúmeros animais silvestres, envolvendo a captura e transporte irregulares, maltratando a fauna por meio desse tráfico.

Fauna News – Quais ações ainda precisam ser fortalecidas para o Pantanal ser protegido de maneira integral?

Coronel Rabelo – O Pantanal é um bioma frágil e não tenho dúvida que, como ele tem uma dependência absoluta de água, é fundamental que exista uma política que integre especialmente as suas nascentes no planalto com as condições dos rios que estão na planície. Ainda hoje, algumas nascentes sofrem pressão, o que acaba prejudicando ainda mais essa condição que o Pantanal enfrenta, de redução significativa do seu espelho d’água. Cerca de 60% de redução no período de 1985 a 2023. É o bioma que mais secou no Brasil. Isso compromete de maneira bastante significativa inúmeros processos ecológicos.

Fauna News – O senhor tornou-se membro do Explorers Club 50. Qual a importância desse reconhecimento para seu trabalho de proteção do Pantanal?

Coronel Rabelo – Dentro do Explorers Club estão nomes importantíssimos que atuam das mais variadas formas para avanços na tecnologia, na proteção do meio ambiente, no campo político, tudo de forma global. O The Explorers Club 50 é uma oportunidade, não só minha, mas para o Pantanal, de receber a atenção mundial e buscarmos a valorização desse território. Ainda há muito para ser feito e o The Explorers é um espaço para se debater ações globais para o Pantanal.

O Pantanal é a maior área úmida do mundo, está no mapa sobre as grandes explorações, é um dos locais mais desafiadores no planeta, além de ser um Patrimônio Natural da Humanidade. Estive em Nova Iorque, na reunião oficial do grupo, e falei sobre a importância de se olhar para essa parte do planeta com respeito e com reconhecimento pelo que indígenas, pantaneiros e pantaneiras fizeram e fazem pela conservação dessa região. É também uma honra para mim ter esse reconhecimento, após a indicação que recebi de grandes personalidades como são Dereck e Beverly Joubert.

Fauna News – O “Jaguar – créditos de biodiversidade” é uma grande inovação para a conservação do território, da onça-pintada e de diversas outras espécies da fauna e da cultura pantaneira. Como surgiu essa ideia e qual foi o processo para estruturar e lançar esta iniciativa à conservação?

Coronel Rabelo – O Instituto Homem Pantaneiro já tem o trabalho reconhecido com a primeira certificação de crédito de carbono no Pantanal. E tivemos a oportunidade de nos tornamos também uma referência para o Brasil para que haja a implantação inédita no país dos créditos de biodiversidade. Foi uma proposta de parceria que recebemos da ERA (Ecossystem Renegeration Associate), que está desenvolvendo esse mesmo projeto também no Equador. É uma iniciativa que soma esforços que temos para conservar a região da Serra do Amolar.

Fauna News – Estamos, no Brasil, mais acostumados a trabalhar com a ideia de créditos de carbono em que, simplificando bastante, quem desenvolve atividades potencialmente poluidoras compensa suas emissões financiando iniciativas ambientais por meio da compra desses créditos. Como funcionam os créditos de biodiversidade?

Coronel Rabelo – Eles são quantificados com base em indicadores ecológicos, como saúde das chamadas espécies guarda-chuva, como é o caso da onça-pintada; a qualidade do hábitat do projeto e o conjunto de monitoramento e ações de conservação desempenhadas. Essa metodologia que prioriza a conservação, não a compensação, busca calcular os créditos utilizando como base na área a ser protegida, em hectares. Também são aplicados fatores de pontuação de acordo com as estratégias utilizadas para a conservação. O valor de cada um dos nossos créditos de biodiversidade é baseado nos custos de implementação das práticas de conservação. A partir dos estudos que foram feitos, foi possível entender que esse método promove uma precificação mais justa, reconhecendo a diversidade de estratégias e custos associados à conservação em diferentes ecossistemas.

Para exemplificar, entre esses custos estão incluídas despesas com monitoramento, gestão de áreas protegidas, pesquisa científica, educação ambiental e outras atividades necessárias para garantir a conservação dos hábitats e das espécies.

É uma metodologia baseada na prática, desenvolvida sob a égide da gestão ambiental. A precificação dos créditos é determinada pelo custo real de implementação das práticas de regeneração e conservação de ecossistemas, e não quanto um determinado serviço ecossistêmico “vale” para a sociedade.

É muito importante também completar que ela foi construída para poder ser aplicada por comunidades.

Fauna News – O Instituto Homem Pantaneiro desenvolve inúmeros projetos visando a conservação do bioma há mais de 20 anos, sempre em sintonia com os impactos que vão acontecendo. Tem sido assim com as brigadas de combate a incêndios e o sistema de monitoramento com câmeras. Agora temos os créditos de biodiversidade. No planejamento para o futuro da instituição, quais são as principais metas do IHP?

Coronel Rabelo – A instituição tem procurado diferentes alternativas para a sua sustentabilidade, com a missão de proteger o Pantanal como um produtor de natureza. Temos também um compromisso de assegurar para as pantaneiras e os pantaneiros as oportunidades que existem e envolvem a tecnologia, as soluções baseadas na natureza (NBS). Algumas que ainda são até um tabu. É o caso do crédito de carbono, que nós fomos pioneiros a obter a certificação no Pantanal. E continuaremos ainda buscando inovações que certamente poderão trazer alternativas para o chamado custo-Pantanal (longas distâncias, dificuldade de comunicação), que ainda não tem um ponto de equilíbrio, especialmente para as fazendas.

Fauna News – Como o senhor enxerga o Pantanal no futuro? Em 2050, por exemplo?

Coronel Rabelo – Eu me obrigo a ser otimista, não só pela vivência e pelo desafio de ter como missão e causa a proteção do bioma, mas de uma maneira muito clara, quero crer que o bioma vai sobreviver a todos os desafios que vem enfrentando. E isso eu digo sobre a mudança que vem causando eventos climáticos extremos. Essa situação, com certeza absoluta, está gerando um impacto no bioma com redução significativa de chuvas e o registro de altas temperaturas. Eu quero crer que teremos a disciplina de não só melhorarmos as nossas práticas e evoluirmos o combate, mas também numa expectativa de que possamos cuidar muito do nosso comportamento, minimizando os impactos climáticos.