A área do rio Xingu, modificada pela construção da barragem da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, está alterando o hábitat de espécies de peixes nunca foram descritas pela ciência. Uma nova espécie de peixe cascudo foi descoberta na região por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Universidade Federal do Pará (UFPA). Ela está descrita em artigo publicado hoje na revista Neotropical Ichthyology.
O peixe tem tons de verde-oliva escuro a preto e é coberto por manchas amarelas redondas, atingindo até 17 centímetros de comprimento. Ele foi batizado de Scobinancistrus raonii, em homenagem ao líder indígena Raoni Metuktire, cacique dos caiapós, povo que vive ao longo dos afluentes do rio Xingu, nos estados do Pará e Mato Grosso. Ele é um dos ativistas indígenas mais conhecidos no mundo por sua luta pela conservação da floresta amazônica, se colocando contra, em 2010, à construção da usina de Belo Monte.
Os resultados foram obtidos após a análise de 38 exemplares desta espécie não descrita de Scobinancistrus, coletados em expedições da equipe de pesquisa ao rio Xingu. Esses peixes são conhecidos de comunidades locais e do comércio aquarista desde a década de 80 e ganharam o apelido de “tubarão, por causa do formato roliço do seu corpo. Para que se pudesse confirmar a existência de uma nova espécie, foram analisadas as tonalidades e o formato das manchas, a forma do corpo, os dentes, a boca e outras estruturas que identificam os animais.
Segundo Lúcia Rapp Py-Daniel, uma das autoras do estudo, a descrição da espécie serve para confirmar a novidade.
A gente já conhece esse bicho há muito tempo. Ele já era vendido no comércio de pesca ornamental e era um bichinho muito diferente, mas na época não sabíamos em qual gênero ele se encaixava. Foi uma surpresa ver que não conseguimos encaixá-lo em nada que conhecíamos e que se tratava de uma nova espécie”, afirma a pesquisadora do Inpa.
O estudo detalha que a nova espécie de Scobinancistrus habita principalmente a área alterada pela construção da barragem de Belo Monte, em Altamira, indo desde a Volta Grande do Xingu até a confluência com o rio Iriri. A descoberta ajuda a confirmar que existem novas espécies de animais habitando a região afetada pela hidrelétrica e que, por isso, é importante garantir a qualidade da água para protegê-las.
Para Py-Daniel, o trabalho também serve para suscitar o debate em torno do controle hidrológico da região, pois algumas espécies demandam água em abundância para a sobrevivência.
A área da Volta do Grande do Xingu é extensa e tem espécies que só ocorrem lá, então qualquer alteração do ambiente natural é gravíssima”, conclui.
Os pesquisadores seguem monitorando as espécies de peixes cascudos da região. Eles esperam que a documentação contribua para que os órgãos competentes estabeleçam estratégias de conservação, “já que os peixes são muito comercializados e exportados por causa da aparência colorida e atrativa” e agora também sofrem a ameaça de alteração no seu ambiente natural, finaliza a pesquisadora.