No 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre, publicado em 2001 pela ONG Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), foi destacado a existência de mais de 180 zoonoses ligadas ao comércio ilegal de fauna. São doenças transmitidas para humanos pelos animais, que retirados de seu ambiente natural oferecem grande risco à saúde das pessoas com quem mantêm contato.
Macacos e micos podem transmitir raiva, febre amarela, hepatite, herpes simples e tuberculose; jabutis e lagartos oferecem o risco da salmonelose, verminoses e micoses; e papagaios e passarinhos podem levar à contaminação para ornitose (também conhecida como “febre do papagaio”) e toxicoplasmose. São apenas alguns exemplos.
Esse é um dos motivos que justificam o combate ao tráfico de fauna. Ao retirarmos os bichos de seus habitat, colocamos em risco a saúde da população. E o problema ganha uma dimensão ainda maior se for verificado quando o poder público gasta no tratamento dos doentes.
A novidade nessa área está por conta do encontro do vírus da zika em espécies de primatas que são traficados e também, por conta do desmatamento, acabam tendo contato com humanos.
“Pela primeira vez, pesquisadores encontraram fora do continente africano, no Ceará, primatas infectados com o vírus da zika, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti. A descoberta se deu no segundo semestre de 2015, quando pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), do Instituto Pasteur e da Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa) realizavam expedição de pesquisa sobre a raiva em animais silvestres no interior do estado.
De acordo com os pesquisadores, a descoberta indica que, por ser capaz de contaminar outros hospedeiros além dos humanos, a doença se espalha com mais facilidade e, consequentemente, pode dificultar o controle. Além do vírus da zika, o mosquito Aedes aegypti é o vetor da dengue, febre amarela, chikungunya.
Quatro saguis – conhecidos como soins no Ceará – e três macacos-prego capturados nos municípios de Tabuleiro do Norte, Quixeré, São Benedito e Guaraciaba do Norte, apresentaram teste positivo para o vírus da zika pela técnica PCR em tempo real, que detecta a presença do vírus no organismo do animal. Na pesquisa foram capturados, no total, 15 soins e nove macacos-prego, todos eles em áreas com notificação de zika e ocorrência de microcefalia.
Este é o primeiro relato de infecção pelo vírus zika em primatas neotropicais e indica a possibilidade de que estas espécies possam atuar como reservatórios do vírus, semelhante ao observado no ciclo silvestre da febre amarela no Brasil”, relata a bióloga Silvana Regina Favoretto, coordenadora do projeto “Raiva em silvestres terrestres da Região Nordeste do Brasil: epidemiologia molecular e detecção da resposta imune”.
Após passarem pelo exame, os macacos tiveram um microchip implantado e foram devolvidos ao hábitat natural Os animais testados têm hábitos domésticos ou vivem próximos aos humanos. Em maio, os pesquisadores realizarão exames em mais animais e tentarão recapturar alguns dos animais já testados para que eles passem por estudos mais detalhados.
“Consideramos de extrema importância a continuidade dos estudos complementares que estão sendo conduzidos, a fim de que possam esclarecer o verdadeiro significado e a abrangência deste achados, assim como a sua importância para a epidemiologia da enfermidade emergente causada por este vírus”, reforça a coordenadora Silvana Favoretto.
A veterinária Naylê Holanda, do Núcleo de Controle de Vetores (Nuvet), coordenadora do projeto no Ceará, ressalva que a pesquisa ainda não apresentou conclusões, mas é provável que os animais tenham sido infectados pelo vírus transmitido pelo mosquito Aedes aegypti a partir de humanos. Transmitida pelo mesmo vetor, a dengue é incapaz de infectar macacos e, portanto, não tem o chamado reservatório em animais silvestres.
A infecção por zika em macacos já havia sido detectada na África, mas os cientistas se surpreenderam porque os primatas do novo e velho mundo, como são classificados, possuem estruturas genéticas e suscetibilidade a doenças distintas, o que não determinaria a obrigatoriedade de um primata do continente americano ser suscetível à infecção por zika.
A preocupação dos pesquisadores é com a possibilidade de que o vírus zika possa ser transmitido a humanos a partir dos animais silvestres, como ocorre com a febre amarela. Essa possibilidade pode apontar para um dos motivos de o zika ter se disseminado tão rapidamente pelas Américas. Em menos de dois anos, a doença já foi identificada em 35 países do continente, enquanto a dengue levou décadas para se espelhar na mesma amplitude.” – texto da matéria “Vírus da zika é encontrado em saguis e macacos-prego no interior do Ceará”, publicada em 22 de abril de 2016 pelo portal G1