
Por Rubem Dornas
Biólogo, especialista em Geoprocessamento e mestrando em Análise e Modelagem de Sistemas Ambientais na Universidade Federal de Minas Gerais. Integra o Transportation Research and Environmental Modelling Lab (TREM-UFMG) e o Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (NERF-UFRGS)
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É relativamente comum encontrarmos animais atropelados durante nossas viagens. Tal problema já foi reportado inúmeras vezes aqui no Fauna News. Apesar de até os humanos serem frequentemente atropelados, temos a tendência de não entender muito bem o que se passa na cabeça do animal para enfrentar estradas com veículos em movimento. Tenho certeza de que você mesmo pensou ou já ouviu alguém dizer: “mas que bicho burro, não viu o carro vindo?”
A fauna pode exibir três estágios comportamentais de resposta a algum tipo de ameaça: detecção da ameaça, avaliação do risco e fuga. Algumas espécies com baixas capacidades auditivas e/ou visuais podem não conseguir detectar veículos até esses estarem muito próximos. É possível também que, em várias oportunidades, um automóvel seja percebido mais como um grande objeto inofensivo do que como um risco em si. Se a detecção do veículo ou a avaliação do risco forem falhas, não haverá fuga e as chances de atropelamento são grandes. Veículos em movimento são, evolutivamente falando, muito novos no contexto do mundo animal, o que torna complexo para os animais conseguirem se safar de uma colisão. Assim, não adianta culpar um animal pelo seu atropelamento – posso assegurar que ele não queria se suicidar!
No vídeo abaixo, um exemplo do comportamento de um alce frente a um trem em movimento:
A velocidade de um veículo é fator preponderante para o animal conseguir detectar e avaliar o risco. À medida que a velocidade aumenta, cresce também o risco de colisão (veja este estudo com cangurus na Austrália), provavelmente em função do menor tempo disponível para o animal conseguir tomar a decisão final: se deve ou não fugir. Sabendo dessas questões, não seria possível utilizar o comportamento animal para embasar a criação de medidas de prevenção de atropelamentos?
Estudos que abordam esse tema vêm sendo desenvolvidos em ferrovias na Espanha e na Suécia, respectivamente com aves e mamíferos. As pesquisas têm como base a instalação de câmeras de vigilância dentro da cabine das locomotivas, associadas com dispositivos de GPS que coletam informações de velocidade, hora e local. O acúmulo de dados através de gravações em vídeo de diferentes espécies, em diferentes velocidades e contextos pode trazer respostas sobre qual o comportamento animal frente aos trens, sendo possível estimar em quais velocidades haveria maiores chances de fuga. Desta forma, em trechos com muitas ocorrências de atropelamento de uma determinada espécie, a velocidade máxima da ferrovia poderia ser diminuída, possibilitando maior oportunidade de fuga.
Infelizmente, ainda não conhecemos estudos similares no Brasil, apesar de várias das ferrovias do país estarem submetidas a algum tipo de monitoramento de atropelamento de fauna. Pesquisas como essas tendem a ser mais baratas que as habituais e seu resultado como redutor de atropelamentos potencialmente mais eficiente (custo x benefício) do que a implantação de aparatos de mitigação, como passagens de fauna e cercas, que exigem manutenção constante. Fica a provocação: já não é hora de diversificar os modos de monitoramento e de proposta de redução de atropelamentos?