Por Fernanda Zimmermann Teixeira
Bióloga, mestre e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Análise e Modelagem de Sistemas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais e integrante do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF) da UFRGS
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A pesquisa em ecologia de transportes no Brasil cresceu e se diversificou muito nos últimos anos. Começamos com alguns estudos dispersos com listas de espécies de animais atropelados, mas hoje temos diversos pesquisadores pelo país buscando entender os padrões e processos ecológicos relacionados aos impactos de estradas. Grupos de pesquisa trabalham com diferentes temas, desde o impacto da mortalidade direta de animais até os efeitos indiretos da construção de uma estrada no desmatamento e no aumento de queimadas.
Com o fortalecimento da pesquisa nessa área e a interação com consultores ambientais e analistas que trabalham diretamente com a avaliação do impacto de infraestruturas de transporte, surge a demanda de qualificar as políticas públicas de transporte. Especialmente no que concerne a forma como as questões ambientais são consideradas dentro do processo de planejamento e licenciamento de uma obra desse tipo.
Muitas iniciativas diferentes têm sido desenvolvidas para conectar o conhecimento científico produzido às exigências técnicas para os estudos ambientais, visando o desenvolvimento de políticas públicas mais bem embasadas. Um exemplo disso são os ciclos de workshops organizados pelo Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da Universidade Federal do Rio grande do Sul (NERF/UFRGS) envolvendo órgão licenciador, empreendedores e academia.
O primeiro destes ciclos de workshops foi realizado entre 2013 e 2015 no âmbito do Rio Grande do Sul e teve como foco os protocolos de amostragem de fauna atropelada nas rodovias estaduais (já falamos dele aqui). Após dois anos de discussão envolvendo o núcleo estadual de licenciamento do Ibama, a secretaria de meio ambiente (Sema) e os órgãos estaduais de licenciamento (Fepam) e de rodovias (Daer), foram definidas recomendações para o monitoramento de fauna atropelada.
Essas recomendações foram incorporadas a uma diretriz técnica estadual para orientação dos termos de referência para o licenciamento de rodovias no Estado. Além disso, publicamos um artigo em coautoria com todos os participantes do workshop, no qual discutimos a abordagem utilizada e apresentamos os resultados.
O segundo ciclo de workshops focou nos protocolos de monitoramento de fauna atropelada e o monitoramento da efetividade de medidas mitigadoras em ferrovias. Os encontros ocorreram de 2017 a 2019, sendo o último realizado semana passada. Nesse ciclo, foram reunidos analistas do Ibama, o empreendedor público (órgãos do governo responsáveis pela construção das ferrovias) e as concessionárias responsáveis pela operação das ferrovias, incluindo alguns de seus consultores.
Os produtos desse ciclo de workshops, incluindo dois protocolos com recomendações para o monitoramento de fauna atropelada e o monitoramento da efetividade de medidas mitigadoras em ferrovias, serão oficialmente encaminhados ao Ibama e tornados públicos em breve.
Após a finalização dessas recomendações no último encontro, iniciamos um novo ciclo de workshops. A primeira reunião ocorreu também na semana passada, na sede da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), em Brasília-DF. Esse novo ciclo inclui os mesmos setores, mas agora visa discutir a definição do escopo de estudos para predizer, avaliar e monitorar impactos sobre a fauna em diferentes fases do licenciamento. Com esses encontros, pretendemos reunir técnicos da área ambiental de todos os setores e empresas concessionárias envolvidos com o planejamento, construção, avaliação e operação de empreendimentos rodoviários e ferroviários no Brasil.
Nosso objetivo é discutir e propor subsídios técnicos para que o Ibama possa elaborar as Instruções Normativas ou outros instrumentos e diretrizes.
Acreditamos que, ao reunir os diversos setores envolvidos no licenciamento da implementação e operação de empreendimentos viários, as discussões se tornam mais ricas ao incluir diferentes perspectivas e as recomendações geradas têm maior credibilidade e legitimidade. Além disso, há maiores chances de serem implementadas, uma vez que partem de uma construção coletiva e não de uma imposição de apenas um setor.
Esperamos que a partir dessas iniciativas, possamos ter um licenciamento ambiental com maior qualidade e efetividade, o que diminui os casos de estudos negados por não seguirem as exigências ou de casos de judicialização de obras por falhas no processo de licenciamento ambiental. Mas, sobretudo, esperamos que a qualificação dos estudos resulte em menores danos a nossa biodiversidade e na garantia da qualidade ambiental almejada pela sociedade.