Por Daniel Nogueira, responsável pelo Centro de Triagem de Animais Silvestre (Cetas) do Ibama localizado em Lorena (SP), e
Natália Lima, responsável pelo Cetas do Ibama de Manaus (AM)
universocetas@faunanews.com.br
Os Cetas – Centro de Triagem da Animais Silvestres são importantes unidades de gestão e conservação de fauna silvestre no nosso país e refletem os problemas que afetam os animais, revelando a realidade de ameaças e conflitos. geralmente ocasionados pela ação humana.
Nas regiões Sudeste e Sul, os Cetas são muito demandados em função de problemas e conflitos relacionados à avifauna, em especial pássaros canoros e Psitacideos vítimas do tráfico, este associado à cultura de cativeiro ilegal que onera as instituições com poder de polícia. A grande maioria dos animais recebidos, tratados, reabilitados e destinados pelos Cetas dessas duas regiões é de Passeriformes. As demandas para atendimento de mamíferos e répteis são relativamente pequena na maioria dos Cetas do Sul e do Sudeste.
Contudo, será que é essa a realidade de centros de recepção de outras regiões do Brasil?
Como uma fonte de dados para essa reflexão, pedi ajuda do Cetas do Ibama de Manaus (AM). Dentre os dados obtidos naquele Centro, destaco alguns que sugerem uma discussão interessante.
Em um país com megadiversidade como o Brasil, e em um estado como o Amazonas, também muito biodiverso, a riqueza de espécies recebidas pelo Cetas também é grande: foram 155 diferentes espécies registradas só em 2018, quando a unidade recebeu 3.561 animais, sendo 2.556 peixes e os demais 1.005 de outros grupos como aves, répteis, mamíferos e artrópodes.
Enquanto o esmagador predomínio de avifauna (passando dos 90% do total) se estabelece como padrão para os Cetas de São Paulo, por exemplo, os dados de 2018 do centro do Amazonas mostram que a quantidade de aves recebidas é proporcionalmente menor, quando comparada a outros grupos como mamíferos e répteis. Também é importante mencionar que, historicamente, os répteis, fortemente representados pelos quelônios aquáticos e terrestres (respectivamente Podocnemis ssp e Chelonoides denticulata), têm recepção muito mais representativa que o grupo das aves e mamíferos. Entretanto, esse panorama vem se alterando nos últimos anos, com a diminuição da proporção de répteis em relação a aves e mamíferos.
Um outro dado interessante é que, em 2018, o grupo de animais mais recebidos pelo Cetas do Amazonas foi o de peixes, resultante de ações da Polícia Federal e do Ibama focadas no combate ao tráfico internacional de peixes ornamentais no aeroporto de Manaus, totalizando um aporte de 2.556 peixes entregues ao centro. Dentre as espécies de peixes recebidas, destacam-se Osteoglossum sp (aruanã) e a Hypancistrus zebra (cascudo-zebra ou zebrinha).
Ainda sobre o comparativo entre a realidade do Cetas do Ibama de São Paulo e do Cetas do Ibama do Amazonas, é interessante notar que no primeiro as espécies mais comuns de aves recebidas são aquelas que sofrem maior pressão de captura e as mais mantidas em cativeiro ilegal. Simplificando, são Passeriformes do gênero Sporophila, comuns no Sudeste, bem representados pelo coleiro (S. caerulescens), o canário-da-terra (Sicalis flaveola) e o trinca-ferro (Saltator similis) são muito presentes nos Cetas do Sudeste. Contudo, a lista de recepção de avifauna do Cetas do Ibama do Amazonas não apresenta nenhum substituto desses animais, sendo a ordem Passeriformes não representada dentre as aves mais recebidas nos anos analisados.
Quanto aos mamíferos, vale menção à grande quantidade de primatas recebidos pelo Cetas do Ibama no Amazonas. Um levantamento realizado pela unidade, relativo ao período de 2008 a 2014, revelou ter esse centro recebido 245 primatas de 20 espécies diferentes. Esse levantamento está sendo atualizando e aponta para um aumento de mais de 50% de primatas recebidos na unidade no período de 2015 a 2018.
Dentre os primatas mais recebidos, destacam-se o sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) e o macaco-barrigudo (Lagothrix cana), ambas espécies ameaçadas de extinção. O sauim-de-coleira está classificado como criticamente em perigo de extinção e por isso é objeto de grande preocupação. À essa espécie é dedicado um trabalho mais detalhado de documentação da recepção e destinação de cada indivíduo, visando identificar e especializar as principais ameaças à espécie e também aperfeiçoar o manejo em cativeiro, com vistas a contribuir com sua conservação ex situ. Em 2018, os sauins-de-coleira foram os primatas mais recebidos pelo Cetas do Amazonas, no total de 20 espécimes registrados.
Em relação ao tipo de entrada, ao contrário do que se costuma verificar no Cetas do Ibama de São Paulo, a maior parte dos animais recebidos pelo Cetas do Amazonas, excluindo os peixes em 2018, são provenientes de resgates ou entregas voluntárias. As apreensões (resultantes de ações dos órgãos de fiscalização) são o tipo de origem que vem em seguida. Um fato comum entre os Cetas do Ibama de São Paulo e do Amazonas é o predomínio de entregas de animais feitas pelos órgãos estaduais.
Outra questão que merece destaque é a complexidade de destinação de alguns grupos de animais. Por se tratar de um Cetas que atende a demandas de todo o estado do Amazonas, as espécies recebidas, suas origens geográficas, os históricos e as condições dos os animais são os mais diversos. Esse panorama demanda especificidades de recepção, manutenção, tratamento e destinação, especialmente em relação aos primatas, cujas características biológicas e comportamentais, as distribuições geográficas específicas de várias espécies e o histórico de vida dos indivíduos tornam mais complexas as tarefas do manejo, reabilitação e destinação.
Este fator é o principal diferencial de gestão entre os dois Cetas: enquanto os do Sudeste são caracterizados por grandes quantidades de entradas de aves o do Amazonas requer atenção às demandas de cuidados, espaço, profissionais e recursos orçamentários voltados para reabilitação de mamíferos, em especial primatas.