Por Vitor Calandrini
Primeiro-tenente da PM Ambiental de São Paulo, onde atua como chefe do Setor de Monitoramento do Comando de Policiamento Ambiental. É mestrando no Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP)
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Sempre que ocorrem debates sobre tráfico de animais silvestres, esta pergunta aparece: por que não existe regularização do comércio de fauna nascida em cativeiro como forma de desestimar o tráfico de animais? E o mais engraçado é que realmente muitas pessoas desconhecem os criadores comerciais de fauna, ou seja, não sabem que existe locais onde o comércio de animais silvestres é possível de forma legalizada e com comprovação de origem.
Como uma pergunta puxa outra, ao saberem dessa informação, essas mesmas pessoas questionam: e por que não estimulamos isso no Brasil para evitar a retirada de animais da natureza?
Sobre essa segunda pergunta, resolvi apresentar algumas informações interessantes para reflexão.
Inicialmente, é bom relembrar que o comércio legalizado de fauna é permitido desde o código de caça de 1967 (Lei nº 5.197). Entretanto, para esses estabelecimentos são exigidos o mínimo de questões de salubridade e bem estar animal para sua procriação e manutenção, além de estar sob a égide de regulamentação específica e podendo ser fiscalizado. Para pessoas que visam apenas lucro com a venda de animais, isso é considerado fator que encarece sua cadeia produtiva, o que obriga a repassar essa conta ao consumidor final, tornando o animal silvestre nascido em cativeiro mais caro. Deve-se considerar também a incerteza da venda, o que obriga o comerciante a ter de arcar com o custo durante toda a vida do animal, considerando a dificuldade da venda quando ele deixa de ser filhote.
Outro importante ponto sobre o tema é que mesmo havendo incentivo para a expansão desse comércio, ainda assim a compra de animais silvestres legalizados não será acessível a todas as classes sociais, como acontece com qualquer outro bem material. Isso levará, institivamente, parte daqueles que não possuem condições financeiras fatalmente vai procurar uma via mais “econômica” para alcançar seu objetivo, ou seja, animais advindos do tráfico. E como temos um país com um enorme problema de distribuição de renda, as chances de estimular ao invés de desestimular o tráfico são gigantes, pois é uma tendência normal pessoas com menos recursos financeiros visar os mesmo bens materiais de pessoas com mais recursos, buscando, assim, uma “inclusão social” no outro círculo econômico.
Para ilustrar mais um pouco essa linha raciocíno, outra questão fática desmonta de vez o argumento de que o simples incentivo ao criador comercial desestimularia o tráfico. Basta realizarmos uma comparação com armas nos EUA ou até mesmo com a maconha para fins recreativos no Uruguai, onde mesmo havendo uma facilitação para esses materiais no comércio regular, ainda lideram os topos em quantidades e valores de tráfico de drogas e armas nos respectivos países.
E para encerrar o ano com outra informação relevante, destaco que, até pouco antes do ano 2000, pessoas que possuíam animais irregulares em cativeiro poderiam procurar o Ibama para tentar regularizar os animais sem comprovação de origem legal. Mas a procura foi pequena e algumas pessoas alegaram que preferiam se manter na ilegalidade do que ter que se enquadrar nas exigências mínimas para manutenção desses animais em cativeiro (alimentação e cativeiros adequados, consultas periódicas a médicos veterinários, etc.).
A verdade é que a luta pelo combate ao tráfico de animais passa uma questão essencial: animais não podem ser objetos materiais de valor econômico. Enquanto isso ocorrer, dificilmente haverá uma vitória real contra a extinção de espécies causadas pelo tráfico de animais.