Por Carlos Eduardo Tavares da Costa
Biólogo, bacharel em Direito e agente de Polícia Federal
nalinhadefrente@faunanews.com.br
A justa preocupação com nossa fauna silvestre não se limita aos exemplares vivos. O legislador brasileiro, desde o início, se preocupou também com partes de animais inseridos no sistema criminoso do tráfico ilegal. Não só na cultura brasileira, mas como também nas africanas e orientais, com produtos e subprodutos originários de animais ganhando cunho religioso e medicinal – se bem que fica, sempre, um pouco difícil para uma sociedade que se encontra no topo da cadeia alimentar e faz, regularmente, uso de outras espécies em sua dieta, etc., reclamar que partes de animais seriam destinadas para outros fins.
Retornando ao legislador, podemos verificar na Lei 9.605 de 1998, “espinha dorsal” das normativas nacionais relacionadas ao meio ambiente, que em seu inciso III do parágrafo 1º do artigo 29, ele coloca:
"… quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente."
No ano de 2000, nossa equipe do ainda Núcleo de Prevenção e Repressão a Crimes Contra Crimes Ambientais (NPRCA) da Delegacia Fazendária na Superintendência Regional da Polícia Federal do Rio de Janeiro, primeiro modelo e precursor das atuais DELEMAPHs – Delegacias de Repressão aos Crimes Contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico, durante diligências relacionadas ao tráfico de animais silvestres com participação criminosa por parte de criadores comerciais e conservacionistas, se deparou com situação peculiar: um criador tinha processo para criação conservacionista protocolado desde 1983, ainda no extinto Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, IBDF.Nossas análises, sempre apoiadas pelos colegas do Setor de Fiscalização do Ibama, não encontravam justificativas para a não solução de um processo após 17 anos de andamento. Dois pedidos foram feitos durante seu trâmite: a transformação da categoria de Conservacionista para Comercial e a de registro de morte de alguns espécimes. O primeiro pedido, em tese, encontrava-se dentro da normalidade, porém, o segundo estaria totalmente ilegal, levando-se em conta a não finalização do processo de mudança de categoria e a não existência do licenciamento de operação por parte do órgão administrativo.
No ato da operação conjunta, em cumprimento de mandado de busca e apreensão, foram encontradas na residência de J.S.M, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro (endereço comum com o do criador, segundo apontamentos no processo), inúmeros animais silvestres brasileiros vivos, porém, uma maioria absoluta de exemplares, taxidermizados. Estávamos, naquele momento, nos deparando com situação inusitada, sendo uma ótima oportunidade para exercitar a normativa legal supracitada. Ao analisarmos o material, encontramos dois exemplares de Cianopsita spiixi, nossa ararinha-azul, já extinta na natureza.
Tenho por hábito usar duas “palavras mágicas” para todo e qualquer procedimento relacionado à fauna silvestre fora de seu habitat: origem legal.
– Vamos lá, me comprove a origem legal desses exemplares!
Documentos e, em certos casos, marcações são obrigatórios. Animais vivos, as partes e os subprodutos também devem tê-los. No caso de animais taxidermizados, principalmente aves, o cuidado em manter o anilhamento original e a documentação original de quando vivo já solucionam, em boa parte, nosso questionamento.
O que estariam fazendo dois exemplares de Cianopsita spiixi, taxidermizados, em um criador não legalizado, no Rio de Janeiro? Qual sua história? Onde nasceram? Onde foram a óbito? Como chegaram lá?
Agora, fazem parte do acervo de animais taxidermizados da Fundação RioZoo…
Fonte: IPL 292/2000-NPRCA/Delefaz/SR/DPF/RJ