Após a chegada das abelhas do mel (europeias) no Brasil, várias espécies de plantas e polinizadores sofreram, indiretamente, uma redução na capacidade de se adaptar a mudanças do clima e da agricultura. É o que apontam pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em estudo publicado este mês na revista Nature.
Desenvolvido em parceria com colaboradores dos Estados Unidos, Espanha e Suíça, o estudo mostra que quanto mais efeitos indiretos uma espécie recebe de outras enquanto evolui dentro de uma rede de interação, mais difícil é para ela se adaptar. Dessa forma, mesmo em uma interação em que deveria se beneficiar, uma espécie pode ser influenciada negativamente por outra, ainda que não interaja com ela diretamente.
De acordo com Mathias Pires, pesquisador envolvido no estudo, um diferencial do trabalho está em olhar para o efeito evolutivo das abelhas. Em geral, explica ele, as pesquisas priorizam os efeitos demográficos – se a população de abelhas nativas aumentou ou diminuiu, por exemplo. “Esse trabalho focou justamente na evolução. Mostramos que a consequência da invasão das abelhas europeias é que possivelmente tenha ficado mais difícil para as abelhas nativas evoluírem em resposta a mudanças no ambiente: clima, agricultura, por exemplo”, afirma.
Determinando capacidade de sobrevivência
A pesquisa se destaca ao relacionar os efeitos indiretos entre espécies com a capacidade de sobrevivência e reprodução média de indivíduos de uma espécie. “Nós sabíamos que a estrutura de redes poderia influenciar a dinâmica ecológica e a evolução das características, mas existia esse último passo fundamental: descobrir como a rede influencia a aptidão média das espécies. É a aptidão que vai determinar, por exemplo, se uma população cresce ou diminui e como os indivíduos vão ser selecionados dentro de uma população”, explica Paulo Guimarães Jr, um dos autores da pesquisa. Para tentar preencher esta lacuna, foram utilizados modelos matemáticos já estabelecidos no estudo de evolução de espécies – e realizadas simulações com base em dados empíricos coletados por cientistas de todo o mundo, disponíveis em bancos de informação.
Como resposta, os autores mostraram que são os efeitos indiretos que estão governando a variação na aptidão.
A aptidão média da espécie não depende somente de com quem ela interage, mas também responde a outras espécies na rede que não interagem diretamente com ela, criando um conflito de pressões seletivas”, explica Guimarães.
Além disso, os pesquisadores também puderam identificar quais posições nessas redes de interação são favorecidas e quais sofrem mais influências negativas. De acordo com os resultados da pesquisa, as espécies que ficam na periferia da rede – ou seja, que têm poucas interações – são prejudicadas pelos efeitos indiretos que se propagam por essa estrutura. Já as espécies que estão no centro – ou seja, que têm muitas interações – no geral se beneficiam.
Outro aspecto importante levantado pelo trabalho é o fato de que é possível prever algumas condições de evolução de espécies. “Podemos usar os padrões de interação das espécies nessas redes para prever qual é o resultado da coevolução nas características e fazer a tradução disso de volta para a aptidão das espécies”, explica Leandro Cosmo, autor principal do estudo. Assim, é possível conhecer mais sobre como os ecossistemas se organizam na natureza, e também sobre como a ação humana pode interferir nos processos naturais, dos quais inclusive somos dependentes, como a própria polinização.