Por Claudia Xavier
Bióloga, mestra em Zoologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e doutoranda em Zoologia (UFPA/MPEG). Trabalha no Laboratório de Aracnologia do Museu Emílio Goeldi
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Carrapatos não são exatamente animais muito populares, assim como outros aracnídeos (pois é, carrapatos não são insetos!). Ainda assim, são animais fascinantes quando se é dada a oportunidade de conhecê-los melhor.
No mundo, conhecemos mais de 900 espécies de carrapatos, divididos entre os carrapatos “duros” e carrapatos “moles”, como são popularmente chamados. Número esse que deve crescer à medida que esse grupo vem sendo estudado. Mais de 99% das espécies pertencem às famílias Argasidae e Ixodidae, nominhos um pouco complicados, eu sei. Além desses dois grupos, existem outras três famílias (duas delas compostas somente por espécies fósseis): Nuttalliellidae (com a espécie Nuttalliella namaqua, encontrada no sul e sudeste do continente africano), Deinocrotonidae (composta pelas espécies fósseis Deinocroton draculi e Deinocroton copia, encontradas em âmbar do Cretáceo parasitando dinossauros avianos) e a recentemente descrita Khimairidae (composta até agora unicamente pela espécie fóssil Khimaira fossus).
Muitas pessoas acreditam que os carrapatos são somente aqueles dos animais domésticos, como cães, bois, vacas, entre outros. No entanto, a maior parte da diversidade desse grupo encontra-se nos animais silvestres. Se você imagina carrapatos somente em climas quentes, saiba que é possível encontrar carrapatos até em pinguins!
De modo geral, esses parasitas apresentam preferência por certos hospedeiros. Normalmente, os que parasitam animais de sangue quente não parasitam animais de sangue frio e vice-versa. É importante salientar que não existem carrapatos específicos de humanos, de modo que nossa espécie acaba sendo um hospedeiro acidental, o que não é lá muito confortável, convenhamos. Quem vive no campo, no mato e/ou faz trilhas sabe que esses seres podem ser bem inconvenientes e, por mais que você esteja protegido, com vestimentas adequadas, esses pequenos animais acabam conseguindo se alojar em cada lugar… Às vezes só são notados no dia seguinte ou até mesmo dias depois.
Os carrapatos são o segundo grupo mais frequente na transmissão de patógenos (organismos causadores de doenças, como vírus, bactérias, protozoários, fungos e nematódeos) para outros animais. São superados apenas pelos mosquitos. Portanto, podemos notar que esses animais possuem grande importância médico-veterinária, sendo de sumo interesse que sejam mais conhecidos e cada vez mais estudados.
Os chamados “carrapatos duros”, isto é, aqueles que apresentam um escudo quitinizado no dorso, da família Ixodidae, são os mais conhecidos. Ainda há muito a ser descoberto com relação aos “carrapatos moles”, os argasídeos (família Argasidae). No Brasil, encontramos 51 espécies de carrapatos ixodídeos distribuídos em todos os biomas do país. O escudo dorsal característico desse grupo está presente em todos os estágios de vida do animal: larva, no único estágio de ninfa (outros carrapatos possuem mais de um estágio ninfal) e quando adultos. Sua alimentação é lenta, com duração de dias, por isso sua saliva possui propriedades anticoagulantes e anestésicas (eis o motivo para não sentirmos geralmente quando o carrapato se fixa em nossa pele). Ao mesmo tempo, sua saliva é tóxica e pode causar muitas feridas na pele dos seus hospedeiros.
Existe um mito popular de que é preciso tirar com cuidado o carrapato do animal parasitado, caso contrário a sua cabeça pode ficar ainda lá no corpo do animal. Na verdade, o que ainda pode ficar lá é o aparelho bucal do parasita. Sim, é a boca somente e não a cabeça. O aparelho bucal desses bichos é proeminente e possui uma estrutura chamada hipostômio, responsável por furar lentamente a pele do hospedeiro. O hipostômio tem dentes recorrentes, ou seja, voltados para trás, o que ajuda na fixação, uma vez perfurada a pele.
Uma pergunta recorrente é como saber quem é macho e quem é fêmea nesses carrapatos? Além da fêmea ser, geralmente, maior que o macho, o seu escudo não recobre todo o abdômen. Isto porque a fêmea precisa que seu abdômen consiga se expandir bastante, já que ela tem a capacidade de ovipor milhares de ovos. Sim, você não leu errado, são MILHARES de ovos e postos de uma única vez. Por isso, um único carrapato pode causar infestação no hospedeiro.
Não teria como abordar aqui tantas espécies de ixodídeos, pois daria um livro, mas trouxe alguns que você talvez “conheça de vista”. Agora saberá o nome desses camaradas e alguns fatos importantes sobre eles. Não se assuste com os nomes grandes e diferentes.
Do gênero Rhipicephalus, abordo aqui duas espécies comuns de serem vistas dependendo de onde você esteja: no campo ou na cidade. O carrapato-do-boi [Rhipicephalus (Boophilus) microplus] é a espécie com maior distribuição geográfica, sendo de grande importância econômica por ter a capacidade de parasitar também animais domésticos como cães, por exemplo. Já o carrapato de áreas urbanas (Rhipicephalus sanguineus), também chamado de carrapato-vermelho-do-cachorro, tem preferência por parasitar animais carnívoros. Vivem em frestas ou buracos entre tijolos de paredes, conseguem escalar muros e são vetores de erliquiose e babesia, podendo até causar infecção mista em cães.
Já no gênero Amblyomma, destaco aqui o Amblyomma sculptum (principal vetor de febre maculosa no Brasil), que não é muito exigente com relação a hospedeiros, o que faz com que a transmissão da doença seja facilitada. Além dele, temos o carrapato-amarelo-do cachorro (Amblyomma aureolatum), muito comum em áreas de altitude da Mata Atlântica. Suas larvas e ninfas preferem parasitar roedores e aves, enquanto os adultos preferem canídeos silvestres, o cão doméstico e, acidentalmente, o homem.
O gênero Ixodes é o que apresenta maior número de espécies no mundo. Na América do Norte, algumas são responsáveis pela transmissão de patógenos causadores de viroses e outras doenças com nomes não tão convencionais como riquetsioses e espiroquetoses. Alguns ainda produzem toxinas capazes de provocar paralisia (ainda que parcial) nos hospedeiros, inclusive humanos. Espécies desse gênero são ainda vetores da bactéria causadora da doença de Lyme, que recentemente acometeu o cantor pop Justin Bieber.
Quando se trata de equinos, a espécie Dermacentor nitens, popularmente chamada de carrapato-da-orelha-do-cavalo, pode ocasionar sérios problemas por ser um dos principais vetores da babesiose equina além de outras infecções. Apesar do nome que já demonstra sua preferência, esse carrapato pode ocorrer em outras regiões do corpo de seu hospedeiro.
Carrapatos não são animais exatamente agradáveis, mas, se pararmos para pensar, nada na natureza é feito para nos agradar. Somos intrínsecos a ela. Conhecer os mecanismos evolutivos existentes na natureza é algo fascinante e a evolução de animais parasitas, por vezes, é surpreendente. Não nos bastando somente a curiosidade, entender a importância médico-veterinária e, consequentemente, econômica da biologia dos carrapatos é motivo forte o suficiente para que seu mundo seja explorado cada vez mais.
Referências
– Chitimia-Dobler, L., Mans, B., Handschuh, S., & Dunlop, J. (2022). A remarkable assemblage of ticks from mid-Cretaceous Burmese amber. Parasitology, 149(6), 820-830. doi:10.1017/S0031182022000269
– Curso on-line de extensão universitária “Introdução à acarologia: um vasto mundo além das alergias”. Escola Superior do Instituto Butantan.
– Latif, A.A., Putterill, J.F., de Klerk, D.G., Pienaar, R., Mans, B.J. Nuttalliella namaqua (Ixodoidea: Nuttalliellidae): first description of the male, immature stages and re-description of the female. PLoS One. 2012;7(7):e41651. doi: 10.1371/journal.pone.0041651. Epub 2012 Jul 26. PMID: 22844508; PMCID: PMC3406016.
– Museu do Carrapato. Disponível em: https://cloud.cnpgc.embrapa.br/controle-do-carrapato-ms/museu-do-carrapato/
– Peñalver, E., Arillo, A., Delclòs, X. et al. Ticks parasitised feathered dinosaurs as revealed by Cretaceous amber assemblages. Nat Commun 8, 1924 (2017). https://doi.org/10.1038/s41467-017-01550-z
– The “missing link” of the ticks. Disponível em: https://www.museumfuernaturkunde.berlin/en/press/press-releases/missing-link-ticks
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