
Por Adriana Prestes
Bióloga, responsável técnica por áreas de soltura e monitoramento de fauna silvestre na Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba (SP) e secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira
segundachance@faunanews.com.br
Esta coluna, que se dedica a tratar de ações de soltura de animais silvestres, vez por outra também se dedica a promover um pouco de emoção na alma de quem a lê, pois como frequentemente aponto aqui, no Brasil e em outros países do mundo, solturas podem ser polêmicas…
E enquanto a discussão (acalorada ou não) técnica e científica deveria ser o tom, ao se avaliar a questão das solturas, os exemplos negativos fazem parte de uma retórica bastante estabelecida: a de que soltura é uma ação controversa e, portanto, é mais fácil não fazer.
Assim, novamente no espírito de promover a discussão, trago hoje informações sobre o programa de reintrodução de castores, no município de Devon, na Inglaterra. Os animais estavam ausentes havia 400 anos e agora estão novamente “agitando” o ambiente. Essa foi uma ação promovida pela entidade Devon Wildlife Trust.
Mas como começaram? Há cerca de uma década, a Devon Wildlife Trust realizou um “ensaio” soltando um casal de animais em uma área controlada de três hectares. Em 2014, um outro casal, de origem desconhecida, foi encontrado no rio Otter. Um ano depois, a entidade responsável pelo estudo recebeu autorização para realizar aquela que foi a primeira reintrodução de um mamífero extinto na Inglaterra. O experimento terminou oficialmente em 2020 e foi tão bem-sucedido, que agora existem 15 grupos familiares de castores distribuídos por 15 territórios diferentes, onde permanecerão livres.
Vejam que interessante: o experimento começa com um casal de animais de cativeiro, soltos em uma área controlada e monitorada. A ação recebe o reforço de um casal de “origem desconhecida” (principal argumento feito contra a soltura de animais de centros de triagem e de reabilitação de fauna silvestre).
Quantas oportunidades se perdem, quando tratamos de mastofauna no Brasil, por ser impensável fazer isso aqui?
Sabemos que um grande número de animais é atropelado anualmente; sabemos que os biomas continuam sofrendo perdas aceleradas com contínuo corte dos últimos remanescentes de florestas primárias; sabemos que todas as populações naturais de mastofauna estão exauridas e ameaçadas por diversos tipos de problemas. Então ficam as perguntas: por que não reintroduzir? Por que não promover o reforço populacional das espécies de mastofauna?
Vejam que, no caso do castor, a intenção inicial foi reintroduzir uma espécie extinta, mas como subproduto, o projeto criou uma percepção de como ela era uma espécie chave para a regeneração ambiental na área de estudo.
De acordo com o recente Inventário Florestal do Estado de São Paulo, mapa síntese abaixo, houve um aumento nas áreas de floresta de cerca de 5%. Porém não pode ser esquecido que parte dessa “floresta” é regeneração, o que implica em menor biodiversidade. Por que não pensar em reintrodução ou reforço populacional de espécies chave de mastofauna como um fator decisivo para a regeneração ambiental?

É claro que solturas bem-sucedidas são consequência de bons projetos, mas isso não pode impedir uma ampla discussão sobre o significado de nossa mastofauna como princípio fundamental e como direito constitucional a um meio ambiente equilibrado. Solturas de mastofauna bem planejadas podem contribuir de forma decisiva para uma mudança de mentalidades em relação a como são executados projetos de recuperação ambiental. O resultado disso é um maior ganho para toda a sociedade e não apenas para pesquisadores e técnicos que veem muitas vezes a soltura apenas como fonte de dados para publicações, por que, afinal, o que importa é a sociedade ser beneficiada de fato por ações ambientais que visem a conservação de nossa fauna.
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