Estudos em rodovias revelam grandes descobertas de pequenos mundos: o caso do veado-mão-curta

Recentemente, durante os estudos de monitoramento de fauna, durante a fase de obras de pavimentação da rodovia SC-290, na serra do Faxinal — entre Cambará do Sul (RS) e Praia Grande (SC) —, foi registrada a ocorrência do veado-mão-curta (Mazama nana), um dos cervídeos menos conhecidos pela Ciência e ameaçado de extinção.

O veado-mão-curta é o menor representante do seu gênero, pesando até 15 quilos e atingindo cerca de 50 centímetros de altura. Habita áreas de floresta estacional semidecidual, floresta ombrófila mista e floresta ombrófila densa. Sua distribuição é fragmentada entre as regiões Sul e Sudeste do Brasil, abrangendo desde o norte do Paraná até o centro do Rio Grande do Sul, estendendo até o sudeste de São Paulo. Em toda a sua área de ocorrência, a espécie é considerada ameaçada em diferentes classificações de risco de extinção.

Segundo a ficha compilada no Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade – SALVE do ICMBio, o veado-mão-curta é característico das matas de araucária, especialmente da floresta ombrófila mista. A espécie prefere hábitats de altitudes mais elevadas, com vegetação densa, como sub-bosques de taquara e áreas de vegetação secundária, como capoeiras. Apresenta forte preferência por ambientes úmidos, evitando regiões secas. De hábitos noturnos e crepusculares, o veado-mão-curta é predominantemente solitário, embora também possa ser encontrado em pares. Territorialista e sedentário, ocupa pequenas áreas de vida.

A rodovia

A rodovia SC-290 passou por diversos períodos de licenciamento ambiental, marcados por grandes impasses burocráticos que prolongaram a execução de sua pavimentação por vários anos. Ao longo desse processo, diferentes metodologias de trabalho e profissionais estiveram à frente do licenciamento. Localizada em uma região de significativa biodiversidade, no maior remanescente de Mata Atlântica do sul do Brasil, a rodovia atravessa uma área entre dois parques nacionais — Aparados da Serra e Serra Geral — e suas zonas de amortecimento. Além disso, faz parte do território do Geoparque Mundial da Unesco Caminhos dos Cânions do Sul.

Ao mesmo tempo, a SC-290 também é um importante corredor turístico no sul do Brasil, representando um grande aporte econômico para a região. Dada a relevância biológica da rodovia, somada à sua importância econômica, cultural, geológica e histórica, o desafio de avaliar os impactos sobre a fauna se torna ainda mais complexo.

Os registros

Entre julho de 2023 e março de 2025, tivemos a grande satisfação de obter mais de dez registros, por meio de armadilhas fotográficas e observações diretas, da presença do veado-mão-curta na rodovia SC-290. Como se trata de um cervídeo pouco conhecido pela Ciência, seus registros são raros, mais ainda o de uma mãe com seu filhote, evidenciando a reprodução da espécie na localidade. As dificuldades de observação desse mamífero decorrem, principalmente, da densa vegetação das regiões montanhosas e íngremes onde habita, além de seu comportamento evasivo. Esse registro não apenas confirma a presença da espécie na área, mas também levanta várias questões importantes:

• Foram necessários muitos anos de estudo até que a espécie fosse registrada, mas é provável que ela sempre tenha habitado esse território.
• O registro só foi possível porque a equipe técnica percebeu que não fazia sentido monitorar fauna da forma tradicional – elaboração de listas de classes taxonômicas de vertebrados, a partir do agrupamento de métodos e esforços em locais específicos –, propondo a adoção (aprovada pela COTRA/DILIC – Ibama/DF) específica para avaliar o deslocamento de espécies de fauna, alvo do estudo, ao longo da rodovia e suas adjacências.
• Esse fato reforça a importância de métodos de pesquisa bem aplicados e com a duração adequada, ajustados às características do ambiente estudado.
• Além disso, reforça o compromisso de avaliar os impactos das rodovias sobre a fauna e de propor medidas para evitar, reduzir ou mitigar esses impactos.

A complexidade de avaliar os impactos da rodovia sobre a fauna aumenta à medida que as etapas do monitoramento avançam. Enquanto os estudos se aprofundam, é essencial que as perguntas certas sejam feitas para compreender melhor as interações entre a infraestrutura e os ecossistemas locais. Somente com uma abordagem bem estruturada e focada nas especificidades de cada ambiente será possível obter dados precisos e contribuir para a conservação das espécies afetadas.

A descoberta do veado-mão-curta na região da rodovia SC-290 representa não apenas um avanço para a Ciência, mas também um alerta sobre a complexidade dos ecossistemas em áreas de grande valor biológico. Essa espécie é nativa da Mata Atlântica da região Sul do Brasil, habita principalmente florestas de araucárias, um ambiente que, devido ao seu alto grau de fragmentação, impõe enormes desafios à conservação. As ameaças que essa espécie enfrenta são diversas, incluindo o efeito de borda nos pequenos fragmentos de floresta, a caça, a predação por cães domésticos, a contaminação por agrotóxicos e as enfermidades transmitidas por ungulados domésticos (bovinos, equinos e ovinos, por exemplo). Além disso, problemas genéticos têm dificultado a sobrevivência da espécie, tornando ainda mais urgente o seu monitoramento e proteção.

Neste contexto, a rodovia SC-290, que atravessa uma região de significativa biodiversidade, não só representa um desafio para o desenvolvimento, mas também para a conservação das espécies ameaçadas. É fundamental que os estudos sobre os impactos das rodovias sejam aprofundados, com metodologias rigorosas que considerem tanto os efeitos diretos quanto os indiretos sobre a fauna. Somente com um compromisso sólido com a Ciência e a conservação será possível alcançar um equilíbrio entre o avanço da infraestrutura e a proteção dos ecossistemas que ainda resistem em um Brasil cada vez mais urbanizado e fragmentado.

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