
Por Suzana Padua
Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas)
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Quem poderia supor que de um projeto de mestrado e doutorado nasceria uma instituição tão grande e admirável como é o nosso IPÊ hoje. Meus autoelogios não são pessoais, mas sim à uma equipe de excelência que formamos durante essas três décadas. Alguns integrantes se juntaram a nós mesmo antes do IPÊ existir formalmente, ainda como estagiários do projeto de conservação do mico-leão-preto (Leontopithecus chrysopygus) que era conduzido pelo Claudio Padua no Parque Estadual do Morro do Diabo (PEMD, que era gerido pelo Instituto Florestal de São Paulo), localizado no extremo oeste do estado de São Paulo, região conhecida como Pontal do Paranapanema. O que os atraía era a chance de colocar em prática o que aprendiam teoricamente em sala de aula. Muitos desses jovens nunca foram embora e hoje são os sêniores da instituição. Mas foi com eles que fundamos o IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas em 1992, ano marcante para a conservação da natureza no Brasil e no mundo, com o evento promovido pela ONU, a Rio-92, ou a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.

O doutorado do Claudio tinha relação com a ecologia do mico-leão-preto e sua plasticidade, ou seja, como se comportava e vivia nos diferentes habitat encontrados no PEMD. Para isso, um estudo que ele achava que seria de um ano, acabou levando três e meio, tempo precioso para compreendermos a complexidade da conservação, que exige muito mais do que o estudo de uma espécie, mesmo sabendo que esse é um passo fundamental para proteger qualquer elemento da natureza.
Foi assim que entraram no cenário outros elementos como a educação ambiental para públicos diversos, com propósito de sensibilizar a população local para a importância de se proteger os fragmentos de mata e o próprio Parque Estadual do Morro do Diabo, tornando o mico um símbolo de orgulho que merecia ser protegido com muito cuidado. Aqui cabe lembrar um dado importante: o mico-leão-preto havia sido considerado extinto por mais de 65 anos e sua descoberta acendeu uma chama de esperança de ele nunca desaparecer do planeta.
Além da educação ambiental, que passou a ser um programa contínuo nas escolas e em eventos promovidos com fins que variavam, mas sempre desenhados para trazer orgulho e vontade de proteger as riquezas socioambientais da região, outros campos foram adicionados. Por exemplo, ficou clara a importância da proteção de habitat, especialmente aqueles que continham os micos e outras espécies da Mata Atlântica de interior, bioma regional altamente ameaçado por conta do desmatamento histórico que havia ocorrido nas últimas décadas. Uma vez que a região é a segunda mais pobre do estado de São Paulo, a equipe do IPÊ passou a também buscar alternativas sustentáveis de melhoria de vida para famílias locais, com foco especial nos assentados da reforma agrária, que tinham poucas oportunidades de sair do isolamento e da pobreza em que se encontravam. Começamos, então, a oferecer oficinas de como cultivar árvores nativas e formar viveiros de mudas para reflorestamentos, atividade que persiste até os dias de hoje e traz um adicional de renda significativo a quem embarca nessa iniciativa. Outras oficinas incluem plantas medicinais, a formação de SAFs (Sistemas Agroflorestais) e artesanatos com foco nas espécies regionais.
Outro componente incluído pela equipe do IPÊ é o planejamento da paisagem, que traça onde são as áreas prioritárias que merecem maior atenção em um programa de restauração florestal. O resultado é o que chamamos de Mapa dos Sonhos, pois as imagens definem onde devemos plantar corredores de matas para integrar as populações isoladas de animais que vivem em fragmentos florestais, ou faixas de proteção plantadas à volta de fragmentos que resistiram ao desmatamento, ou ainda pequenas manchas de árvores plantadas com produtos da agricultura, como mandioca, milho, pomares e café, em sistemas agroflorestais que melhoram a porosidade do solo e trazem de volta dispersores de sementes, como pássaros e insetos, além de propiciarem alimentos saudáveis e fontes de renda para os excedentes dos plantios (Projeto Café com Floresta ou Café Agroflorestal, por exemplo).
Finalmente, sempre que possível, influenciamos políticas públicas que beneficiam a natureza e as pessoas locais. Essa abordagem acabou por ser conhecida como modelo IPÊ de Conservação, ou, internamente, Cebolão do CP, referindo-se às camadas de ações identificadas pelo Claudio Padua e publicadas em artigo.
Essa forma de tratar a conservação, bastante inspirada em Biologia da Conservação, depende de uma equipe, uma vez que um(a) pesquisador(a) apenas não dá conta de abarcar tantos campos de conhecimento e ação. E formar equipes tem sido um dos diferenciais do IPÊ, estratégia também pensada para garantir a continuidade dos projetos e da própria instituição, além de ser uma forma eficiente de passar os conhecimentos adquiridos para um público maior.
Foi com esse princípio que em 1996 o IPÊ fundou seu braço educacional, que alguns anos depois se tornou a ESCAS – Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade, em Nazaré Paulista, onde é a sede da instituição. Na verdade, a ideia de ter uma vertente em educação conservacionista veio desde o nascedouro do IPÊ, que ocorreu em Piracicaba (SP), quando por uns dois anos a equipe inicial tentou firmar parceria com a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP. A tentativa não deu certo por diversas razões, especialmente pelo ritmo de uma grande organização como a Esalq ser bem diferente daquele de uma pequena instituição não governamental de fins ideais, que desconhecia os meandros da burocracia e da morosidade das decisões que precisavam ser tomadas para que os programas acontecessem. O novo grupo tinha pressa de realizar projetos e a frustração da demora o levou a buscar novos caminhos. Como todas as etapas percorridas, essa foi uma lição aprendida que gerou frutos, pois hoje o IPÊ tem muitas parcerias com instituições diversas, mas com a compreensão de que as bases precisam ser bem definidas e co-construídas, ou seja, trabalhadas conjuntamente.
A ESCAS acabou tendo apoio de dois empresários que acreditaram na importância da educação conservacionista e aportaram recursos próprios para que saísse do papel (Guilherme Leal e Luiz Seabra). Além disso, a ESCAS – IPÊ obteve, em 2006, a aprovação da Capes, órgão do Ministério da Educação responsável pelos programas de pós-graduação, para oferecer um mestrado, pois a instituição preenchia as demandas necessárias, como número de doutores, e publicações. Com isso, o IPÊ tornou-se a primeira ONG socioambiental a oferecer mestrado em conservação e sustentabilidade, o primeiro mestrado profissional do Brasil na área da Ecologia. Além disso, a ESCAS oferece também uma pós-graduação em parceria com o Centro de Empreendedorismo Social e Administração do Terceiro Setor da Fundação Instituto de Administração (CEATS-FIA-USP), que tem como finalidade influenciar o setor privado de diversas maneiras, mais ainda agora com os princípios ESG (Environmental, Social and Governance – em português Meio Ambiente, Social e Governança).

Com o correr do tempo, ao se tornarem mais experientes e prontos a coordenarem seus próprios projetos, alguns integrantes do IPÊ alçaram voos, com novas iniciativas em diferentes regiões do país e, também, formando novas equipes interdisciplinares. Os temas, claro, foram além do mico-leão-preto, como a proteção da água, no caso do Sistema Cantareira (SP), ou mesmo estudos com espécies como onças e demais felinos, mico-leão-da-cara-preta (que conduzimos por 15 anos), peixe-boi, antas, entre outros. Com isso, o IPÊ passou a estar presente em diversos biomas como o Pantanal e o Cerrado, com o trabalho da INCAB – Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira e o projeto Tatu-Canastra. Na Amazônia, o IPÊ coordena quatro projetos integrados, que incluem ecoturismo de base comunitária no baixo rio Negro, Motivação e Sucesso em Unidades de Conservação (MOSUC), que reforça a importância das áreas protegidas regionalmente, por meio do envolvimento de instituições e indivíduos capacitados para colaborarem com a proteção dessas áreas. O projeto Monitoramento Participativo da Biodiversidade (MPB) também capacita membros das comunidades locais para monitorarem a biodiversidade regional com as espécies escolhidas pelos participantes, por serem as mais relevantes para cada localidade. Por último, o Legado Integrado da Região Amazônica (LIRA) vem trabalhando com uma rede de organizações escolhidas pela qualidade dos projetos apresentados, e sempre ligadas às unidades de conservação, que incluem terras indígenas e reservas de desenvolvimento sustentável (RDS), localizados em diferentes Estados amazônicos.
De modo a fortalecer a instituição, em 2003, o IPÊ criou a Unidade de Negócios Sustentáveis, um núcleo que busca parcerias com o setor privado e também cuidar da cadeia de produtos comunitários, sempre visando aumentar a visibilidade da organização. Os melhores exemplos de parcerias empresariais incluem o Grupo Martins e Tribanco, Havaianas/IPÊ, ambos com mais de 18 anos de associação, Arredondar, além de outros no correr do tempo como Faber Castell e Danone, para citarmos alguns.

Além disso, temas importantes passaram a fazer parte do interesse do IPÊ como mudanças climáticas, voluntariado, comunicação para a conservação e sustentabilidade, entre outros. A forma de trabalhar cada assunto varia, mas sempre se busca conhecimentos sólidos de modo a garantir a credibilidade institucional.
Alguns resultados que merecem destaque são:
– o mico-leão-preto passou de espécie criticamente ameaçada a ameaçado, segundo o Livro Vermelho da IUCN, mesmo com as crescentes pressões comuns em todas as partes do território nacional.

– O braço educacional do IPÊ, ESCAS, já formou mais de 160 mestres em seus campi de Nazaré Paulista e Porto Seguro e já alcançou mais de 7 mil pessoas com cursos relacionados a meio ambiente e sustentabilidade. A ESCAS tem hoje parcerias com universidades estrangeiras como Columbia University, Colorado State, Yale e Universidade da Flórida, cada uma com intuitos diferentes, mas sempre com a ideia de educar em campos ligados à conservação socioambiental.
– O IPÊ já plantou mais de 5,4 milhões árvores no Pontal do Paranapanema e quase 400 mil no Sistema Cantareira. No Pontal do Paranapanema está sendo plantado o maior corredor de mata com espécies nativas, que integra duas unidades de conservação: o Morro do Diabo e a Estação Ecológica Mico Leão Preto e fragmentos que ainda restam na região.

– Os corredores de matas já plantados estão sendo estudados e observou-se que muitas espécies vêm os utilizando, o que mostra sua eficiência. Para os micos, caixas de madeira que servem de abrigo noturno vêm sendo colocadas no caminho, pois os micos em seu habitat natural se utilizam de ocos, ainda inexistentes nas árvores novas plantadas nos corredores. A coordenadora do projeto (terceira geração de aprendizes) foi aluna da ESCAS e ganhou prêmio importante por desenvolver tecnologias que atraem os animais!

– Em Nazaré Paulista, o IPÊ vem reflorestando áreas cruciais, em um programa chamado Semeando Água, que visa a proteção de nascentes e matas ciliares de córregos e do reservatório do Atibainha, entre outros que formam o Sistema Cantareira, do qual aproximadamente oito milhões pessoas de São Paulo, Campinas e adjacências dependem para sua sobrevivência, além dos polos industriais da região. O público atendido pelo IPÊ vai de escolas, com um programa inovador intitulado Escolas Climáticas, a pequenos fazendeiros que vêm mudando suas técnicas de produção para favorecer a proteção de matas e da água, aumentando sua margem de lucro com as novas práticas.
– Em termos de políticas públicas, algumas iniciativas foram bem-sucedidas, como a contribuição para a criação da Estação Ecológica Mico-Leão Preto, composta de quatro fragmentos florestais, que agora são protegidos legalmente. Outro resultado é que educação ambiental passou a ser parte do conteúdo programático adotado pela Secretaria de Educação na região do Pontal do Paranapanema. Mais uma iniciativa que ajuda a influenciar decisões é o Mapa dos Sonhos, hoje ferramenta utilizada pelo Ministério Público e órgãos afins. Sem contar que estamos trabalhando amplamente pela redução dos atropelamentos de fauna em estradas do Mato Grosso do Sul, buscando conservar animais como a anta-brasileira e o tamanduá-bandeira.
– Reflorestamento hoje é uma forma de compensar emissões de carbono. Com isso, algumas empresas procuram o IPÊ com essa finalidade, tornando-se referência em muito do que faz.
– No sul da Bahia, estamos ampliando as ações do IPÊ, além do mestrado oferecido pela ESCAS e cursos para extensionistas e técnicos da área florestal. Nossas práticas incluem implementação de unidades demonstrativas em propriedades rurais, onde se valoriza a recuperação de florestas, juntamente com boas práticas no sistema de produção, sempre buscando parcerias com instituições locais.
– Ampliamos a visibilidade institucional na imprensa e hoje temos um grande empenho em comunicar o que cada um faz, como faz e por que, para que inspire outros a também ousarem trabalhar em temas que façam diferença.
– Profissionais da instituição já ganharam aproximadamente 30 prêmios no Brasil e no exterior, o que ajuda a trazer visibilidade às causas conservacionistas e de sustentabilidade.
Quando me perguntam qual o maior legado do IPÊ, minha resposta é imediata: a equipe de profissionais que formamos ao longo do tempo, que hoje dá contribuições, muitas vezes espetaculares em diversos locais do território nacional. E por meio de nossos alunos, as sementes do IPÊ vêm sendo espalhadas pelo país ou América Latina afora. Esse é um legado que faz diferença porque é o que fica. Como dizem alguns sábios, educação é investimento. E como eu ouso adicionar, educação com propósito nobre de proteger a vida, em que os ganhos coletivos se tornam profundos, principalmente porque usamos Ciência como ponto de partida para ação.
As causas com as quais o IPÊ trabalha são o que move as pessoas e as atrai como imã para quererem se juntar a algum projeto da instituição. É defender a vida, seja de planta ou animal, o equilíbrio dos elementos que garantem a dinâmica natural de tudo o que existe no planeta, ou dar oportunidades a pessoas que muitas vezes não as têm, para que possam tornar suas vidas mais dignas e ao mesmo tempo darem uma contribuição a algum aspecto da conservação da natureza local.
É um caminho árduo, que precisa ser contínuo e incessante, cujas demandas só aumentam com o decorrer do tempo, uma vez que as pressões são intensas e crescentes. Mas a força parece vir de dentro de cada um que se envolve e sente o pulsar do encanto de proteger as riquezas socioambientais que herdamos nesse planeta. E quem é brasileiro tem ainda maior responsabilidade, pois este é, sem dúvida, um país abençoado. Nosso patrimônio social e ambiental é único e cabe a todos nós a tarefa de darmos o nosso melhor para o valorizarmos e o protegermos. Talvez esse seja o segredo da história do IPÊ: trabalhar por uma causa que é maior do que nós como indivíduos. É um clamor pela beleza humana e natural da vida em sua mais incrível manifestação. Essa talvez seja nossa força: querer ser cada vez melhor para contribuirmos para aquilo que acreditamos ser valioso.
São muitos a agradecer, mas com o receio de esquecer alguém ou alguma instituição, peço a quem tiver interesse que visite nosso site, principalmente nossos relatórios anuais, que contém a lista de todos que nos apoiam, desde nosso Conselho a organizações brasileiras e estrangeiras que colaboram de maneiras diferentes, mas todas somando para nos ajudar a sermos o que somos. Nosso muito obrigada agora e sempre!
E mais emocionante ainda é compartilhar essa nossa trajetória no mês que celebramos o Dia do Meio Ambiente – 5 de junho. O meio ambiente deveria ser inteiro, e não meio, e comemorado todos os dias porque nós somos natureza. Mas ter uma data especial nos faz lembrar dessa nossa característica, que para nós, ambientalistas, fica com sabor ainda melhor! Viva as belezas do mundo natural e a riqueza das culturas tradicionais, que vivem em maior harmonia com os seres vivos! Viva os ensinamentos e presentes que recebemos diariamente da natureza, nos dando condições para estarmos vivos. Viva o reencantamento por tudo o que é sadio, equilibrado e belo!
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