Por Adriana Prestes
Bióloga, responsável técnica por áreas de soltura e monitoramento de fauna silvestre na Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba (SP) e secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira
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Amigo leitor, enquanto escrevo, um quinto de todos os ecossistemas no mundo está em risco de colapso devido a destruição da fauna silvestre, segundo análise publicada pela empresa de Seguros Swiss Re. Os serviços ambientais essenciais à nossa sobrevivência, como produção de alimentos, ar limpo água e proteção contra enchentes, já estão comprometidos pela ação humana.
De acordo com esse estudo, mais da metade do produto interno bruto mundial (43 trilhões de dólares) dependem de ecossistemas onde a haja “alta funcionalidade da biodiversidade”, porém o risco de estarmos chegando ao ponto de “não retorno” está crescendo. Aliás, esses avisos têm sido dados continuamente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) há pelo menos 10 anos, mas parece que os tomadores de decisão continuam a ignorar a lógica e a razão, “porque assim se ganha mais dinheiroô”, já dizia o Cazuza.
Mas vamos aos tais pombos-verdes…
O periquitão-maracanã (Psittacara leucophthalmus) é bastante comum como espécie-objeto para soltura. De fato, é tão comum que poucas áreas de soltura têm interesse em recebê-los, daí a comparação com pombos domésticos. Também é muito comum receber dezenas de filhotes, concentrados em determinadas épocas do ano. por terem sido retirados de telhados por moradores incomodados com os animais. Além disso, é muito corriqueiro receber filhotes mutilados. Isso ocorre porque as aves nidificaram nos forros dos telhados e os filhotes ficaram enredados em fios ou outros materiais, ocasionando lesões como amputações de membros e outros tantos tipos de ferimentos. Muitos dessas aves sobrevivem, mas suas lesões são, em diversos casos, incapacitantes.
No entanto, no mundo do mercado da internet, é uma das espécies mais vendidas! Em um criador comercial, um indivíduo vale cerca de R$ 1 mil. São milhares de vídeos ensinando com fazê-los falar ou até a realizar pequenos truques!
Mas e no tal mundo “natural”, como vivem aves dessa espécie?
Esse é um animal de bando e no bando se estabelecem relações de cuidado mútuo, proteção mediante alarme para perigos e busca de alimentos. Tem uma alimentação variada baseada em sementes e frutos e nidificam, como os demais psitacídeos, em ocos de árvores.
Agora voltemos ao mundo como é hoje…
As pessoas não entendem por que as aves preferem nidificar nos telhados. Por um momento, pensemos com um deles. Se vejo um objeto alto e que se destaca na paisagem, como um mirante, acho bem adequado para fazer um ninho, ainda mais se esse objeto tiver vários “furinhos”, exatamente do meu tamanho. Além disso, nesse local encontro o mais importante e que cada vez é mais difícil encontrar: comida! Porque os humanos têm um ótimo hábito, para nós, que é desperdiçar comida para todos os lados.
O resultado disso, nós já sabemos qual é.
Também tem sido comum receber animais que eram de vida livre, fraturados, abatidos por parasitoses, magros e sujos. Enfim, se você se colocar no lugar de um periquitão vai perceber que a vida não anda nada fácil.
Mas claro, a história poderia ser muito diferente. Poderia e pode. Uma das questões que não pode deixar de ser discutida, quando se fala em soltura, é a da restauração ambiental. Sem prestar serviços ecológicos adequados, uma floresta não é uma floresta! Um dos serviços de uma floresta equilibrada ambientalmente é a capacidade de produzir comida. No caso de um periquitão, que pesa até cerca de 190 gramas, estamos falando de quase 100 gramas por dia! Quando em cativeiro, quase comem o volume do próprio peso em alimento diariamente. Agora pensemos nas nossas “florestas”: quais e quantas áreas possuem essa capacidade?
Termino o artigo de hoje com esta pergunta e com a lembrança de que sempre é possível preencher um comedor para aves!
Então, mãos à obra!
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