Por Daniel Nogueira
Biólogo, especialista em Ecoturismo e analista ambiental do Ibama. É o responsável pelo Centro de Triagem de Animais Silvestre (Cetas) do Ibama localizado em Lorena
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Neste mês, em minha participação na coluna Universo Cetras, tomo a liberdade de apresentar um Diário de Viagem, em um percurso realizado pela equipe do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Ibama de Lorena (SP) recentemente, mais especificamente neste final do mês de julho. O trabalho envolveu o deslocamento de São Paulo para Porto Alegre (RS) e o cumprimento de algumas tarefas burocráticas do Cetas, mas também a realização de um papel bem mais nobre: proporcionar a repatriação de alguns animais que estavam sendo mantidos em estruturas de recepção e de reabilitação de animais em São Paulo e que pertenciam a espécies que não ocorrem nessa região e que deveriam ser repatriadas.
No total, foram 69 animais, entre Passeriformes e Quelônios, de ocorrência do sul do Brasil, que foram transportados para serem soltos em seus ambientes de ocorrência.
A viagem foi iniciada com o embarque de oito tigres-d’água brasileiros (Trachemys dorbigni) que estavam no Cetas Ibama de Lorena. Também foram incluídos mais 10 desses animais que eram mantidos em reabilitação na Área de Soltura e Reabilitação (ASA) Fazenda Renópolis, em Santo Antônio do Pinhal (SP).
Após a retirada dos animais na ASA Fazenda Renópolis, estendemos a nossa viagem para São Paulo, com uma parada em um Centro de Triagem de gestão estadual, onde retiramos 33 cardeais (Paroaria coronata), 14 tigres-d’água brasileiro, três canários-chapinha (Sicalis flaveola pelzelni) e um chupim-azeviche (Molothrus rufoaxillaris).
No dia seguinte, com a chegada na cidade de Porto Alegre, os animais foram recebidos pelo Cetas do Ibama existente na cidade. Nos dias que se seguiram, recuperados da viagem, eles foram encaminhados pela equipe daquele centro para áreas de soltura para o processo de retorno à natureza.
Nesta ação coordenada e conjunta, tivemos o envolvimento de um centro de recepção e reabilitação de animais de gestão estadual, uma área de soltura e reabilitação, cujos proprietários e coordenadores são pessoas e entidade da sociedade civil organizada que realizam um importante trabalho em apoio aos órgãos ambientais, e dois Cetas federais de dois Estados.
A repatriação, que é a destinação de animais dos locais onde são mantidos para soltura nos seus locais de ocorrência natural, é um desafio frequente para centros de triagem, em especial para aqueles localizados em Estados onde ocorrem muita recepção de animais de tráfico, como é o caso de São Paulo. As ações de repatriação acarretam dificuldades especiais, pois necessitam, em geral, de maior montante de recursos, de planejamento e logísticas, pois estão relacionados a grandes deslocamentos e de desafios de acondicionamento e transporte de animais. Também requerem cooperação entre órgãos e gestores ambientais, pois envolvem, na esmagadora maioria das vezes, no mínimo o transporte e deslocamento entre dois Estados diferentes.
Em resumo, embora esta repatriação não tenha sido tão vultosa como outras já realizadas e essas ações não estejam ocorrendo na frequência que deveriam, o trabalho serviu para suscitar um raciocínio ou uma reflexão mais profunda e potencialmente produtiva. Fica a sensação de que é muito importante e necessário trabalhar em um ambiente de cooperação. Cooperação entre instâncias governamentais, neste caso a federal e a do estado de São Paulo, através das unidades de recepção e destinação de fauna que os representaram e os órgãos que reconheceram, registraram e autorizam as transferências dos animais. Cooperação entre órgão ambientais oficiais e de entidade da sociedade civil organizada. E houve, também, cooperação entre pessoas, essas que se prontificaram a cuidar dos animais e, em conjunto, dar uma melhor destinação a eles. Cooperação entre motivações e vontades.
A busca e a luta pela diminuição dos grandes danos causados à fauna brasileira nem sempre se tornam realidade no nosso dia a dia. São muitas as dificuldades e os obstáculos, mas a canção pode nos lembrar que mesmo os sonhos e as intenções, quando são compartilhados, têm muito, muito mais força e capacidade de se tornarem realidades.
Agradecimentos a todos os envolvidos nessa cooperação.
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