
Por Kamila Bandeira
Bióloga com mestrado em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É doutoranda no mesmo programa, além de pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Suas pesquisas estão focadas em Paleontologia de vertebrados
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Os pterossauros reinaram nos céus como os principais vertebrados voadores durante todo o Mesozóico (entre 145 milhões e 66 milhões de anos atrás) e foram os primeiros vertebrados conhecidos por terem desenvolvido o voo motorizado. Apesar de serem muitas vezes chamados de “dinossauros voadores”, é importante lembrar que os pterossauros não são dinossauros – mas sim parentes distantes desses (veja mais detalhes no artigo sobre o Nyctosaurus lamegoi).
Um grupo particularmente interessante de pterossauros são os tapejarídeos (ou Tapejaridae), encontrados em rochas do período Cretáceo na Inglaterra, Hungria, Marrocos, Espanha, China e, claro, no Brasil, onde alcançaram maior diversidade. Os tapejarídeos não possuíam dentes e ostentavam uma crista bem desenvolvida que começava na parte de cima do bico e percorria até a parte superior da cabeça (ilustração acima).
No nosso país, tapejarídeos são encontrados tanto em bacias sedimentares do Nordeste (como na bacia do Araripe), mas também mais ao sul (no Grupo Bauru, especificamente na Formação Caiuá). Um tapejarídeo curioso é o Aymberedactylus cearensis Pêgas et al., 2016, especialmente pelo seu tamanho pequeno – o indivíduo encontrado tinha cerca de 1,6 metro de envergadura (Pêgas et al., 2016). Inclusive, o nome dessa espécie faz alusão a esse tamanho diminuto – o nome mistura o tupi Aymbere, que significa “pequeno lagarto”, e o grego -dactylus, significando dedo, sendo esse um radical normalmente usado para nomear muitas espécies de pterossauros.
O Aymberedactylus foi coletado em rochas da Formação Crato, uma unidade fossilífera pertencente à Bacia do Araripe. Essa formação foi um imenso lago de água doce, ligado ao então recém-formado oceano Atlântico, e com a idade datada do Aptiano, cerca de 120 milhões de anos atrás, no início do período Cretáceo.
O holótipo do Aymberedactylus (ou seja, o indivíduo que é usado como base para descrição de uma espécie) consiste em uma mandíbula quase completa (ver retângulo preto na ilustração abaixo). Essa mandíbula foi identificada como um tapejarídeo não só devido à ausência de dentes, mas também pela porção onde a junção das suas duas metades laterais se fundem – ou sínfise dentária. Essa sínfise dentária no Aymberedactylus era levemente inclinada para baixo e correspondia a metade do comprimento total da mandíbula! Além disso, o Aymberedactylus apresentava uma pequena crista na parte inferior do dentário (que foi preservada de forma incompleta). Minúsculas aberturas, chamadas de forames neurovasculares, também foram observadas na sínfise, o que indica a provável presença de uma cobertura córnea sobre a ponta da mandíbula, que também é observada em outro tapejarídeo, o Tupandactylus.
Infelizmente, o fóssil do Aymberedactylus estava no Museu Nacional na época do incêndio e, após esse trágico acidente, não há notícias de seu paradeiro. Porém, é importante lembrar que isso não diminuiu ou invalidou a espécie, visto que fósseis raramente são encontrados completos e muito poucos seres vivos deixaram vestígios na Terra. Além do mais, o Aymberedactylus tem características anatômicas mais “primitivas” comparado com outras espécies aparentadas, assim como é um dos mais antigos tapejarídeos descobertos até hoje. Ele possuía uma mandíbula comprida e com uma curvatura suave, diferentemente de outras espécies que tinham uma mandíbula curta e curva.
Por fim, acredita-se que a dieta de pterossauros tapejarídeos era principalmente frugívora, porém o bico do Aymberedactylus não era adequado para esse tipo de alimento. De fato, a forma geral do seu bico é mais parecida com outros tapejarídeos mais “primitivos”, como o Caupedactylus, que provavelmente não era bem adaptado a frugivoria se comparado com outros tapejarídeos mais “avançados”, como o tapejara (comunicação pessoal de R. V. Pêgas). Para entender melhor esses aspectos, são necessários mais fósseis e mais estudos no futuro, que poderão indicar como se deu a evolução desses grupos de pterossauros tanto no aspecto morfológico quanto no nicho ecológico passado que habitavam.

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