
Graduada Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestra e doutoranda no Programa de Pós Graduação em Ecologia da mesma universidade, onde atua no Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF). É integrante da Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil)
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No início da pandemia do Covid-19, em março de 2020, não fazíamos ideia do que aconteceria nos meses seguintes. Algo que não ocorria nos últimos 100 anos começou a mudar a nossa vida e o cenário futuro criou diversas expectativas. Com as pessoas permanecendo mais tempo em casa, vimos o tráfego de veículos diminuir nas estradas e refletimos se isso traria uma diminuição também no número de colisões entre veículos e animais silvestres. Afinal de contas, com menos veículos circulando nas ruas, menores as chances de colisões acontecerem. Inclusive abordamos essa expectativa naquele mesmo mês de março, bem no comecinho da pandemia.
Estamos há mais de um ano e meio vivendo no cenário pandêmico. Nesse período, nós nos adaptamos a um novo estilo de vida. E assim como nós, outros habitantes deste planeta também se adaptaram. Um estudo recém-publicado mostrou que nossa expectativa em relação à redução do número de colisões pode estar equivocada – pelo menos para os Estados Unidos, onde o estudo foi desenvolvido. Os autores analisaram o volume do tráfego e o número de colisões veículos-animais reportados às seguradoras em relação ao mesmo período no ano anterior à pandemia. Eles tinham duas hipóteses:

Na primeira hipótese (A), o uso da rodovia pela fauna seria independente do tráfego. Assim, um número reduzido de veículos representaria um menor número de colisões devido à menor presença de veículos. Porém, a taxa entre o número de colisões e o tráfego se manteria igual, visto que a redução nas colisões seria pela menor presença de carros. Na segunda hipótese (B), a fauna usaria a rodovia de forma diferente, de acordo com o volume do tráfego, o que poderia não alterar o número de colisões, mesmo com um número reduzido de veículos trafegando. Nesse caso, a taxa entre o número de colisões e o tráfego aumenta, se aumentar a presença da fauna na estrada em função do menor número de veículos, mantendo assim um número igual de colisões mesmo com menos carros.
Os resultados encontrados mostraram, de fato, uma redução no volume de tráfego durante os meses iniciais da pandemia. Entretanto, o número absoluto de colisões veículos-animais quase não mudou no mesmo período. Isso resultou em um aumento de 8% na taxa de colisões, chegando a 27% em um dos meses para o país todo.
Esse fenômeno possivelmente aconteceu porque a redução do número de veículos nas estradas fez com que o risco para a fauna em usar aquele ambiente diminuísse, permitindo que os animais silvestres usassem mais as rodovias e aumentasse a frequência de cruzamentos por elas. Esse aumento do uso do “espaço humano” por animais silvestres na pandemia foi visto também em relação a outros impactos, como a redução de poluição sonora em áreas urbanas, resultando em uma maior presença de aves. Uma explicação adicional para o crescimento das taxas de colisões mesmo com a redução de veículos nas estradas é o comportamento humano. Com menos carros nas rodovias é possível que os motoristas possam ter dirigido em velocidades maiores que as habituais, tornando mais difícil evitar a colisão tanto para os humanos quanto para os animais.
O uso das estradas pelos animais pode demorar para voltar aos níveis anteriores ao da redução do volume de tráfego vivenciada durante a pandemia, fazendo com que as colisões sejam ainda mais frequentes com o retorno à vida “normal”. Além disso, é importante pensarmos que após a pandemia poderá haver uma explosão no aumento do tráfego, pois as pessoas podem querer aproveitar o tempo “perdido” em casa e isso pode ter grande impacto nos animais silvestres.
Independentemente se a explicação do aumento das taxas de colisões deve-se à mudança no comportamento animal ou humano, devemos sempre lembrar que as estradas ocupam locais que originalmente eram habitat dos animais silvestres e que, atualmente, causam diversos impactos negativos a eles. Por isso é nosso dever tentar reduzir o impacto dessas infraestruturas tanto na fauna quanto no ambiente.
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