
Por Adriana Prestes
Bióloga, responsável técnica por áreas de soltura e monitoramento de fauna silvestre na Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba (SP) e secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira
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Um importante segmento de atuação da sociedade civil é o voluntariado ( Lei nº 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, e Lei nº 13.297, de 16 de junho de 2016), popular na área de assistência social, muito mais na área ambiental.
Considerando que atividades na área de cuidados com a fauna têm sempre uma crescente demanda e recursos limitados, uma forma de enfrentar melhor a situação é reforçando as equipes com voluntários. Mas como isso pode funcionar na prática?
Muitos serão chamados, mas poucos serão escolhidos! Traduzindo, é preciso saber exatamente o perfil de voluntário necessário para a realização da rotina ou tarefa que demanda auxílio e, claro, que também é preciso conhecer a fundo a rotina ou tarefa em foco. O segundo ponto é a formalização, pois o contrato de voluntariado ajuda o selecionado a entender as responsabilidades que assumirá. Nesse contrato é sempre interessante definir horários e jornadas, pois é importante que o candidato possa ter a real noção da responsabilidade de sua prestação de serviços, assim, seja apenas por uma hora ou 30 horas por semana, o voluntário tem que ter compromisso, sendo confiável e engajado.
Depois de assinado o contrato e definidas as tarefas e horários, vem o treinamento. É muito comum pessoas de várias áreas não correlatas à área ambiental desejarem ser voluntárias, assim o treinamento promove um nivelamento entre a equipe que já atua profissionalmente e os recém-chegados. O treinamento também permite uma maior interação entre as pessoas, promovendo, além de camaradagem, uma renovação de laços na própria equipe que já atua, pois, novos e diferentes pontos de vista podem ser abordados sobre as rotinas já estabelecidas na instituição.
Outra forma de atuação de voluntários é através da setorização, isto é, profissionais que já sejam da área ambiental, mas que desejem atuar como voluntários. Essa situação é mais comum com estudantes ou profissionais recém-formados, pois o voluntariado é uma excelente forma de ganhar experiência, conhecimento e segurança profissional.
Mas quais são as possibilidades de atuação de um voluntário em uma área de soltura?
Uma das formas mais comuns é contribuindo com a doação de alimentos. Animais destinados a soltura podem ficar albergados em viveiros como parte do programa de reabilitação, assim é preciso alimentá-los enquanto aguardam o melhor momento para o retorno à vida livre. Outra forma de atuação do voluntário é auxiliar no trato com os animais, já que sempre existe a demanda por ajuda, tanto no trato com filhotes quanto com adultos, especialmente em feriados e fins de semana. Lembrando que no caso de trato com os animais é necessário treinamento e supervisão, sem contar os cuidados sanitários no manuseio, já que a questão das doenças que podem ser transmitidas aos seres humanos ou à fauna que se cuida deve ser cuidadosamente considerada – especialmente no caso de primatas, muito suscetíveis a viroses humanas.
Mas a soltura é definitivamente muito mais que o trato com animais, já que é preciso monitorar o que se solta. Existem vários tipos de monitoramento e voluntários treinados e motivados são o sonho de consumo de qualquer entidade voltada à soltura. O primeiro tipo de monitoramento acontece quando os animais ainda se encontram no viveiro. Esse monitoramento consiste na observação atenta dos indivíduos e o preenchimento de uma planilha com o registro dos comportamentos observados. Esse registro, denominado etograma, reúne os dados de comportamento em um período determinado e fornece informações preciosas sobre a saúde e o grau de aptidão para a soltura. Inclusive permite identificar comportamentos sazonais, como os ligados à reprodução. O etograma pode ser enriquecido com imagens, arquivos de som e vídeos e, se realizado com frequência e por diferentes observadores, tem um valor inestimável para a avaliação correta do momento da soltura. Sem contar que é aprendizado e diversão garantida!
Ok, mas e depois da soltura, como podem os voluntários ajudar?
Existem várias formas de monitorar após o momento da soltura. Uma das mais importantes é exatamente nas primeiras 48 horas após a liberação dos animais, pois, por mais que se planeje, alguns indivíduos simplesmente não estão prontos ou são imediatamente predados. Assim, o monitoramento no período crítico, logo após a liberação, é fundamental para a avaliação do sucesso ou não da soltura do animal foco. Para essa ação são necessários vários “braços” e voluntários treinados podem fazer toda a diferença na qualidade do monitoramento pós-soltura.
Outra forma de monitorar é a realização periódica de “censos” para a espécie foco. Esse tipo de monitoramento resulta em um esforço concentrado de “contagem” e identificação de indícios da presença da espécie na área que se pretende monitorar, sendo realizado em um período específico, como um dia. Essa é uma atividade perfeita para o engajamento de voluntários treinados.
Ainda, voluntários são fundamentais nas campanhas regulares de monitoramento para as demais espécies que já residam ou transitam na área da soltura. Dados são obtidos tanto através de escuta em pontos específicos de trilhas como por transectos, isto é, deslocamentos definidos em uma trilha. Os registros podem ser feitos com armadilhamento fotográfico e por identificação de rastros e vestígios. Uma ferramenta muito útil é o uso de aplicativos de geolocalização que registram a trilha percorrida e permitem inserir arquivos de imagem. Claro que o mais bacana é sempre avistar o animal e essa é uma emoção que não tem preço, ficando para sempre na nossa memória. Séries históricas de dados de monitoramento permitem inferir quais espécies vivem em uma determinada área, como se deslocam, quando se reproduzem e qual é a taxa de sobrevivência dos filhotes, ou seja, contam a verdadeira história de como vivem os animais naquela área. Porém considerando que boa parte das espécies de animais silvestres não fica “morando” em apenas um único lugar, é preciso monitorar vastas áreas e, sem gente motivada para ajudar, essa é uma tarefa quase impossível. Assim, viva o voluntariado!
E aí? Ficou motivado? Já tinha pensado em ser voluntário? Ser voluntário é muito mais do que “ajudar” alguém ou uma instituição. É ser solidário com a causa animal e, nesses dias, esta é uma causa que realmente está precisando de uma “forcinha”!
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