Por Elidiomar Ribeiro da Silva
Biólogo, mestre e doutor em Zoologia. Professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), responsável pelo Laboratório de Entomologia Urbana e Cultural
invertebrados@faunanews.com.br
Em maio de 2020, os minimamente conscientes já haviam percebido que a pandemia de Covid-19 era coisa séria, mas ainda não sabíamos quanto tempo duraria – como ainda não sabemos, diga-se de passagem. Foi nessa época que aceitei um desafio e tanto: escrever um artigo mensal para a coluna Invertebrados, do prestigioso Fauna News, um verdadeiro conglomerado de notícias e ações em defesa da biodiversidade brasileira. O texto, naturalmente, versaria sobre insetos, grupo cujo estudo eu abraço desde a graduação. E seria alternado, a cada quinze dias, com um texto sobre aranhas e aparentados, escrito por um pessoal que entende muito do riscado, craques tanto no conhecimento sobre aracnídeos quanto nas palavras.
O desafio é grande, ok. Mas é, ao mesmo tempo, tentador. Gosto de bicho, gosto de falar sobre bicho, conheço muitas histórias de bicho… Sendo sobre insetos, meu grupo de atuação acadêmica, melhor ainda. Não, não tive como negar. E aqui estou eu, em um desafio interessante demais, em que tudo é novidade para mim, a começar pelo nome dado aos textos da coluna: “artigos”. Por vício acadêmico, estranhei. Afinal, para mim os artigos sempre foram os escritos publicados em revistas especializadas, com “introdução”, “material e métodos”, “resultados”, “discussão” e “conclusões” bem separados, demarcados, quase sempre bastante individualizados. Com esse tipo de artigo eu tenho familiaridade, já passam de uma centena ao longo da carreira. Porém, a partir de maio de 2020, comecei a lidar também com esse novo (para mim) formato de artigo: o artigo de coluna. E gostei do que vi.
Passei a conviver com a diferença nos estilos e, principalmente, a aprender com ela. O artigo científico é a escrita para os pares, para aqueles que estudam mais ou menos a mesma coisa que você, que sabem mais ou menos o que você sabe. O artigo de coluna, especialmente em um site superlativo como o Fauna News, representa o ato de falar com os diferentes. E o ponto central para que isso aconteça satisfatoriamente é que você fale de um modo compreensível para todos. Isso é um exercício incrível, renovado a cada mês. De mês em mês, chegamos ao 12º artigo.
O primeiro artigo, meu cartão de visitas por aqui, tratou de um visitante noturno, quase sempre indesejado, que já foi bem mais comum: a mariposa-bruxa, cientificamente batizada como Ascalapha odorata. Integrante da ordem Lepidoptera (o grupo das borboletas e mariposas) e da família Erebidae, a mariposa-bruxa é também comumente chamada de bruxa-negra, bruxa-preta ou simplesmente bruxa. Além da aparência de um inseto de grande porte, com asas muito chamativas devido ao tamanho, o que causa pânico em algumas pessoas, a bruxa ainda carregaria uma maldição: a presença dessa mariposa na casa seria um presságio de morte de algum dos moradores. Injusta reputação para um inseto tão interessante.
Adicionalmente, outras mariposas também são popularmente chamadas de bruxa, como é o caso de Langsdorfia franckii (família Cossidae), que se assemelha ao que seria o perfil do rosto de uma bruxa. Até algumas borboletas são, eventualmente, associadas às bruxas, como é o caso das borboletas-coruja, enquadradas no gênero Caligo (família Nymphalidae) [1].
As borboletas-coruja chamaram a atenção na minissérie Cidade Invisível (Netflix, 2021), em que estão associadas à bruxa Cuca, conforme abordado pelo artigo de fevereiro de 2021, que brincou de imaginar como seria um carnaval no mundo dos insetos. As borboletas-coruja entraram nesse carnaval imaginário devido às suas asas posteriores, que apresentam manchas que lembram muito os olhos de uma coruja, o que seria similar à uma fantasia. Nesse artigo também foram abordadas as cigarrinhas (ordem Hemiptera, família Cicadellidae), pequenos insetos com fantasias multicoloridas. E que, eventualmente, causam dano às plantas das quais se alimentam, a partir da transmissão de patógenos.
Cigarrinhas de uma outra família, Delphacidae, não são tão coloridas e vistosas quanto as anteriores, mas costumam ser até mais importantes economicamente, por conta do prejuízo causado às plantações. No artigo de julho de 2020, contei um pouco da história de um integrante dessa família, Peregrinus maidis, para quem propus o nome comum de peregrino-do-milho. Praga agrícola destacada, tal inseto quase levou a civilização maia ao colapso, por essa ser bastante dependente do milho. Embora bem distribuída pelo Brasil, onde ataca muitas outras plantas além do milho, essa cigarrinha não é nativa de nosso país, tendo sido aqui introduzida. Também introduzidos no Brasil são os três insetos abordados no artigo de junho de 2020, todos procedentes da África: o mosquito Aedes aegypti (ordem Diptera, família Culicidae), a efemérida Cloeon smaeleni (ordem Ephemeroptera, família Baetidae) e o besouro Lagria villosa (ordem Coleoptera, família Tenebrionidae), esse último capaz de causar prejuízo a alguns cultivares.
Ainda no tema das pragas agrícolas, poucos insetos merecem tanto destaque como os integrantes da já citada ordem Lepidoptera. E isso acontece até dentro d’água! Espécies de mariposas aquáticas, tema do artigo de setembro de 2020, são consideradas pragas de cultivos alagados, especialmente o arroz. As larvas, chamadas de lagartas-boiadeiras, causam danos às plantações alagadas, especialmente na região Sul do Brasil. Por falar em insetos aquáticos, o artigo de março de 2021 foi inteiramente dedicado a eles, bem como suas diferentes estratégias para colonizar os ambientes de água doce. As já citadas ordens Ephemeroptera, Hemiptera, Diptera e Coleoptera, dentre outras, estão incluídas.
O declínio populacional dos insetos como um todo é tema que tem causado muita preocupação. Pelo fato de os insetos serem personagens de destaque nos processos funcionais do planeta, sua redução pode desequilibrar as relações ecológicas de modo imprevisível. Além da pandemia de Covid-19, no ano passado outro assunto causou muita apreensão entre os conservacionistas: as queimadas descontroladas, especialmente na Amazônia e no Pantanal. Conforme abordado pelo artigo de novembro de 2020, lamentavelmente, os insetos estão entre os grupos mais dizimados pelo fogo descontrolado, especialmente aqueles que não voam ou têm um voo muito limitado, como é o caso dos percevejos-de-renda (ordem Hemiptera, família Tingidae), e os besouros, cujo declínio populacional tem preocupado os especialistas.
Preocupação com a preservação da biodiversidade é uma das marcas da Fundação Leonardo DiCaprio, que financia pesquisas relacionadas a inventários de espécies. Em gratidão, pesquisadores batizaram o pequeno besouro aquático Grouvellinus leonardodicaprio (família Elmidae), descoberto em uma cachoeira na Malásia, em homenagem ao astro hollywoodiano. A nomeação de insetos em homenagem a celebridades da cultura pop foi o tema do artigo de agosto de 2020.
Um grupo bem particular de besouros, os vagalumes (família Lampyridae), está presente em contos de Natal, como os narrados no artigo de dezembro de 2020, em que o piscante inseto teria recebido seu brilho luminoso do próprio Menino Jesus. Outros insetos também são ligados, por meio dos contos, ao nascimento de Jesus, como o bicho-da-seda, lagarta do bômbix-da-amoreira, Bombyx mori (ordem Lepidoptera, família Bombycidae), que teria presenteado o recém-nascido com um fio da mais pura seda.
Não é o caso do bicho-da-seda, mas algumas outras lagartas são urticantes. Conforme abordado no artigo de janeiro de 2021, acidentes com lagartas do gênero Lonomia (família Saturniidae) são potencialmente graves, sendo que o toque nessas ditas taturanas pode provocar hemorragias, insuficiência renal e até levar à morte. O Instituto Butantan, em São Paulo, é o único produtor no mundo do soro antilonômico, que neutraliza os efeitos do veneno dessas lagartas. É, além de estar salvando milhões de brasileiros com a CoronaVac, o Butantan atua em outras frentes. Viva a Ciência brasileira!
Lepidoptera é realmente um grupo de insetos de grande destaque no imaginário popular. Isso já mencionado no início desta nossa prosa, em relação à mariposa-bruxa e todas as crendices a ela associadas [1]. Para fechar a conversa, retomamos à presença dos insetos no nosso folclore, tema apresentado pelo artigo de outubro de 2020. Segundo alguns relatos folclóricos, as lagartas teriam uma bizarra relação com mulheres grávidas, até mesmo virgens. Há casos relatados de mulheres dando à luz a bebês com feições de lagarta! A imaginação humana não tem mesmo limites.
Por ora, ficamos por aqui. Partindo do momento do lançamento do primeiro artigo (de coluna, ainda estou me acostumando), a Terra terá completado uma volta inteira ao redor do Sol em maio próximo, um pouquinho antes do futuro artigo 13. E aí, você está preparado para a segunda temporada?
– Leia outros artigos da coluna INVERTEBRADOS
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