
Por Ana Carolina Pontes Maciel
Bióloga, especialista em Gerenciamento Ambiental e mestra em Sustentabilidade na Gestão Ambiental. É militar da Força Aérea Brasileira na Guarnição da Aeronáutica de Canoas (RS), trabalhando com logística sustentável, meio ambiente e segurança de voo. Integra a REET Brasil
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O fim do ano é uma época tradicionalmente marcada por celebrações e união. No ambiente de trabalho, isso acaba incluindo eventos de integração entre os funcionários, visando o reconhecimento por metas atingidas e o encerramento de mais um ciclo. Projetando isso para o gerenciamento de risco de fauna em aeródromos, podemos afirmar que a integração é um elemento absolutamente indispensável durante o ano todo – e não estamos falando de celebrações, embora elas possam estar incluídas. Uma das premissas da segurança de voo é que ela é responsabilidade de todos.
Nenhum aeroporto está imune à presença de animais e eventos como colisões podem causar danos às aeronaves, atrasos à operação ou até mesmo acidentes fatais, em casos mais extremos. Portanto, podem-se elencar os diferentes níveis nos quais a integração é ferramenta cotidiana para evitar colisões entre aeronaves e fauna.
Engajamento interno no aeródromo
É fundamental o engajamento entre as equipes de segurança operacional, meio ambiente, segurança orgânica, infraestrutura e manutenção, bem como delas com o operador aéreo (seja um esquadrão ou grupo de aviação, no caso das organizações militares, seja a companhia aérea, no caso dos aeródromos civis ou compartilhados). Ter parceiros atentos à área operacional é importante para identificar perigos e avaliar riscos, o que possibilita a adoção de medidas preventivas.
Fiscais de pátio e pista podem identificar e informar a presença de carcaças que precisam ser recolhidas na área de movimento; um reparo de um equipamento de ar condicionado pode resultar na identificação de um ninho; o corte de grama precisa ser planejado e ajustado de acordo com o Plano de Gerenciamento de Risco de Fauna (PGRF), pois leva em consideração as espécies-problema presentes no local; a inspeção de segurança pode identificar uma falha na cerca que deve ser consertada para evitar o acesso de fauna; uma manutenção de canais de drenagem pode verificar a presença de um animal residente difícil de ser visualizado no dia a dia. Para que essa comunicação aconteça e seja eficaz, é fundamental que os envolvidos sejam treinados. A Comissão Interna de Gerenciamento de Risco de Fauna (CGRF) também é uma excelente ferramenta para isso e pode ser uma oportunidade para team building.
Engajamento externo e na região do aeródromo
A Lei Federal nº 12.725/2012 estabelece como Área de Segurança Aeroportuária (ASA) a “área circular do território de um ou mais municípios, definida a partir do centro geométrico da maior pista do aeródromo ou do aeródromo militar, com 20 km (vinte quilômetros) de raio, cujos uso e ocupação estão sujeitos a restrições especiais em função da natureza atrativa de fauna”. São responsabilidades do operador do aeródromo a identificação e o monitoramento de focos atrativos de fauna dentro desse raio.
No entanto, as equipes de fauna dos aeroportos têm grande dificuldade nesse monitoramento, o que se deve a uma série de motivos que envolvem estrutura, disponibilidade de pessoal, dificuldade de acesso a determinados locais, dentre outros. Ademais, o operador aeroportuário não tem poder de fiscalização, já que a regulamentação e coordenação do uso e da ocupação do solo são atribuições do poder público.
Nesse escopo, a Comissão Externa de Gerenciamento de Risco de Fauna (CGRF) é aliada, podendo envolver prefeituras, órgãos ambientais, empreendimentos, universidades e institutos de pesquisa, órgãos públicos e de fiscalização, propriedades vizinhas, Ministério Público e vários outros. Há, aqui, fonte inesgotável de possibilidades de parcerias, divisão de responsabilidades e compartilhamento de soluções.
Uma vez identificado o foco atrativo, como um depósito de resíduos a céu aberto, por exemplo, o poder público deve ser informado e intervir. A intervenção pode ocorrer por meio de recolhimento e destinação dados pela própria prefeitura, em caso de vias públicas, ou por notificação ao responsável com prazo para solução, se tratar-se de local privado. Em geral, tais ações são suficientes para resolver o problema, mas os casos mais litigiosos podem demandar envolvimento do Ministério Público.
Projetos de pesquisa entre universidades e aeródromos também podem ser fruto de comissões bem estruturadas e são muito positivos: unem-se o método científico e o referencial teórico à experiência prática e o conhecimento de campo. Para a ecologia, aeródromos podem ser grandes laboratórios! Projetos dessa natureza podem ter como produto desde levantamentos e caracterizações ambientais, até a comparação de técnicas de afugentamento ou exclusão, avaliando o comportamento das espécies.
No engajamento externo, o céu é o limite
Do ponto de vista técnico, independentemente do local em que se encontram, profissionais da área (operadores de aeródromos, companhias aéreas, pesquisadores, consultores ambientais, organizações não governamentais) podem compartilhar suas experiências por meio de grupos de estudo, workshops, encontros e eventos. Além de manter os envolvidos atualizados em relação ao que tem sido empregado em outros aeroportos, redes de contato podem favorecer a identificação de espécies envolvidas em colisões por meio de registro fotográfico, troca de contatos para recebimento de fauna silvestre resgatada ou de material biológico com potencial de aproveitamento científico, como carcaças, e até mesmo estimativas de custos do prejuízo causado por aeronaves paradas devido a colisão com fauna.
Em casos de colisões notadas no intervoo, por meio de vestígios na aeronave, também é possível entrar em contato com o aeródromo de origem, buscando, assim, as informações e ações necessárias para compreensão daquele evento (a colisão foi na origem ou no destino? Houve encontro de carcaça na pista? Qual a espécie? É local de ocorrência?). Também é possível agregar profissionais de fora do Brasil para intercâmbio de práticas que vem sendo adotadas no exterior, participar de eventos, comunidades de pesquisa, dentre outros.
A Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil) é um exemplo de troca de experiências e informações entre profissionais da área e você pode fazer parte cadastrando-se. No Brasil, acontece a cada dois anos o AeroFauna, evento que reúne especialistas na mitigação desse risco para divulgar informações e experiências.
Note que todos esses exemplos fortalecem a atividade de gerenciamento de risco de fauna, que demanda planejamento e constância para facilitação de conexões e manutenção de vínculos – durante o ano todo. Esse tipo de comunicação, integração e treinamentos devem fazer parte dos planos de gerenciamento, conforme o porte e a realidade de cada aeroporto.
Feliz 2023 e que nossos céus sejam mais seguros para todos!
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