Repatriação do fóssil do dinossauro Ubirajara trará ganhos ao Cariri (CE)

Há algum tempo, vi uma foto de uma vitrine do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, que fica no Ceará. Dentro da vitrine havia um papel com os dizeres: “Aqui estaria o Ubirajara jubatus se estivesse no Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nunes”. Agora, essa vitrine será preenchida com o fóssil.

Muitos já devem estar sabendo: o “Ubirajara” retornou ao Brasil. No mês passado, o governo alemão finalmente devolveu o fóssil do dinossauro que foi traficado anos atrás e estava no museu de Karlsruhe, no sudoeste da Alemanha. Depois de chegar ao Brasil, o fóssil foi depositado na coleção paleontológica do museu cearense situado em Santana do Cariri, cidade localizada na bacia sedimentar do Araripe, de onde o fóssil foi escavado na década de 1990.

Paleontologia brasileira lutou pelo Ubirajara

Lembrando que esse caso começou quando autores alemães tentaram publicar a descrição da espécie em 2020 e houve um intenso movimento de paleontólogos brasileiros, notavelmente nas redes sociais, acerca da legalidade da exportação do fóssil para a Alemanha. Depois de constatado que ele havia sido traficado, dada a falta de documentação adequada para exportação desse tipo de material brasileiro, o movimento foi tão forte que o artigo da descrição do “Ubirajara” foi retirado e o esse nome científico (Ubirajara jubatus, em sua totalidade) está inválido – isso significa que não pode mais ser usado para se descrever nenhuma outra espécie, segundo o Código de Nomenclatura Zoológica (ICZN). Desde então, a repatriação foi negociada entre os governos brasileiro e alemão, até que enfim o fóssil retornou.

A repatriação faz valer a legislação nacional que determina ser pertencente à União qualquer conteúdo fossilífero encontrado em território brasileiro e que, portanto, há a necessidade de autorização de órgãos do Estado para serem retirados do país. A repatriação traz o simbolismo contra o colonialismo exercido sobre os países do hemisfério sul pelas nações do norte, em particular da Europa, e pode ser um precedente para que itens – culturais, biológicos, fossilíferos, entre outros – do Brasil e de outras nações também possam ser repatriados.

Vale lembrar que muitos desses itens saíram de seus locais de origem enquanto foram colônias das nações europeias. E o Brasil não é exceção. No entanto, outros saem em função de tráfico, como no caso dos fósseis brasileiros, e, fora do país, já não há mais lei nacional que se aplique (os fósseis seguem a lei do local onde estão, a qual geralmente não proíbe seu deslocamento). Como consequência, a saída para a repatriação é diplomática.

O fóssil do Ubirajara pode movimentar a economia do Cariri

Agora, no Cariri, o fóssil poderá trazer importância real ao local de onde nunca deveria ter saído (a não ser da rocha onde foi encontrado). A exposição da peça atrairá turistas ao museu, que se hospedarão em hotéis ou outros locais de acomodação; que consumirão no comércio local e que conhecerão e apreciarão a cultura da região, seus produtos culinários, artísticos e artesanais. Esses visitantes poderão viajar para regiões nos arredores para turismos biológico (como observação de aves), geológico (fazer trilhas e conhecer cachoeiras), e até mesmo conhecer o GeoParque do Araripe.

O fóssil também pode ser inspiração para alguns produtos de artesanato e culinários (já pensou em biscoitos com o formato do dinossauro?) ou para a confecção de camisetas e artigos (souvenirs) que o próprio museu pode produzir para sua manutenção. Nesse ponto, já dá para ver o quanto que os fósseis incrementam ao patrimônio cultural e econômico de uma região. Entretanto, é preciso destacar que nada disso é feito do nada. Há pessoas que fazem isso e são elas as beneficiadas por usufruir de um patrimônio regional e que podem criar uma identidade regional cultural em torno dele. O resultado é o que as pessoas envolvidas na discussão sobre o colonialismo dizem: geração de riquezas, de todos os tipos.

Sem falar na relevância científica. O fóssil sem dúvida atrairá muitos pesquisadores com o desejo de estudá-lo, a começar pelos que irão descrevê-lo. A espécie terá um nome que será validado; terá seu lugar na árvore filogenética dos dinossauros conhecido; trará novas informações sobre a evolução de vários aspectos desse grupo, com destaque para os dois pares de penas – esquisitos, para dizer o mínimo –, cuja função trará um bom e interessantíssimo debate. Bem, os pesquisadores pesquisam dentro do museu, mas também são seres humanos e tem necessidades sociais. Fora dele, são turistas e pessoas que movimentam a região em todos os aspectos mencionados acima.

Então acho que dá para ver com clareza o significado e as consequências dessa repatriação. O debate sobre itens traficados já está aí e tem havido mudanças posturais de algumas revistas científicas em respeito à ética pelo objeto traficado. Isso ajuda – e muito – a validar o pensamento e o movimento contra o colonialismo, que nesse caso é o científico.

Espera-se que possamos ver a cara de outros fósseis que foram traficados e estão depositados em coleções estrangeiras, porque aqui tem gente e espaço à beça para eles.

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