Biólogo, mestre em Ecologia e agente de fiscalização ambiental federal
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Em um mantra rotineiro, os criadores de animais silvestres alegam que a criação em cativeiro é um mecanismo de conservação. A criação em cativeiro pode realmente ajudar a salvar uma espécie quando essa criação está orientada por critérios científicos e vinculada a projetos de conservação. Não é o que acontece, por exemplo, com a criação amadorista de passeriformes e com a criação comercial de animais silvestres. Ambas atendem a interesses particulares: a primeira relacionada aos torneios de canto, principalmente, e a última ao lucro.
Ao contrário da criação comercial, cujo sistema de controle, o Sisfauna, foi instituído em 2015, o Sispass – que é o sistema de controle da criação amadorista de passeriformes – foi implantado em 2004. A criação legalizada de pássaros, no entanto, remonta a 1972. Ou seja, desde 1972 é possível criar pássaros com origem legal.
Criação amadora de pássaros hoje
Em 2022, o Ibama concluiu o diagnóstico da criação amadorista de passeriformes no Brasil (A criação amadorista de passeriformes no Brasil: Diagnóstico da Criação de 2004 a 2020). O documento de 133 páginas demonstra que existe uma coincidência entre as espécies mais criadas e aquelas mais traficadas. Essa coincidência não deveria ocorrer caso a criação legalizada servisse para diminuir a pressão sobre as espécies traficadas, como buscam argumentar os criadores.
O diagnóstico também expôs que existe uma desproporção sexual das aves criadas, na qual os machos se sobrepõem às fêmeas quando o esperado, biologicamente, seria uma proporção de 50% de machos para 50% de fêmeas. Esta desproporção resulta do maior interesse dos criadores pelos machos, que cantam, e comprova que a criação recebe animais capturados na natureza.
O alto índice de fugas declaradas, caso realmente tenham ocorrido, denotam o risco de bioinvasão e, ainda, a falta de segurança e cuidado na manutenção dos animais em cativeiro.
A quantidade de transferências de animais não é compatível com uma criação amadorista, assemelhando-se mais a uma criação com objetivo comercial.
O diagnóstico ainda apresentou que para os pássaros marcados com anilhas de 2,2 mm e 3,5 mm, quando se verifica se os filhotes declarados pelos criadores realmente nasceram, existe uma redução de 97,39% e 97,26%, respectivamente, nas declarações de nascimento. Ou seja, menos de 3% dos nascimentos realmente ocorriam. Para algumas espécies, as declarações de nascimento simplesmente zeram quando se verifica se o filhote realmente nasceu.
Mas por que os criadores declarariam nascimentos inexistentes? Para conseguirem anilhas e, com isso, marcarem os animais traficados, dando-lhes aparência de terem nascido em cativeiro e assim escapar da fiscalização.
O diagnóstico também apresentou o resultado da Operação Roleta Russa, que em 2010 demonstrou que as irregularidades na criação atingem, ao menos, 84% dos criadores.
Os dados analisados e apresentados no diagnóstico comprovam de forma indubitável que a criação amadorista de passeriformes não contribui com a conservação. Ao contrário: eles comprovam uma relação entre a criação e o tráfico de animais silvestres. Óbvio que não se advoga que todos os criadores são criminosos, mas existe uma relação da atividade com o tráfico e essa relação não apenas coloca em xeque, mas desnuda o fato de que a criação legalizada não contribui para diminuir a pressão sobre os animais traficados.
A história de que a criação combate ao tráfico é uma mentira comprovada pelos dados apresentados no diagnóstico. A história não resistiu aos fatos.
O texto reflete posição pessoal e não, necessariamente, institucional.
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