
Por Bruna Almeida
Bióloga e coordenadora do Projeto Reabilitação de Fauna Silvestre e das atividades de educação ambiental no Centro de Triagem de Animais Silvestres de Catalão (GO)
universocetras@faunanews.com.br
Anualmente, inúmeros filhotes de animais silvestres são recolhidos da natureza pela suposição de que estariam abandonados ou perdidos. Os pais precisam buscar alimentos para si e para a sua prole e, quando os filhotes ficam no ninho, ocorrem os recolhimentos indevidos. Na tentativa de salvá-los, muitos desses pequenos animais acabam levados para residências humanas. No entanto, essa atitude pode comprometer a vida do filhote devido à mudança de ambiente, excesso de barulho, presença de muitas pessoas, acondicionamento, higienização e, principalmente, a alimentação.
Durante anos atuando com reabilitação de fauna silvestre, presenciei inúmeras situações de “salvamento animal” e, em alguns casos, o filhote só foi encaminhado porque apresentava alterações clínicas, físicas e comportamentais. E aí, é uma corrida contra o tempo para reverter a situação do contato excessivo com pessoas e de uma dieta inadequada que desencadeia diversos problemas.
Mas afinal, qual o mal em recolher o um animal para ser cuidado; para ser salvo da morte?
Vamos lá! Viajando pelo tempo, em 1935, o zoólogo e psicólogo Konrad Lorenz descreveu o termo imprinting como sendo os comportamentos adquiridos por filhotes a partir dos estímulos visuais e auditivos que irão influenciar no seu comportamento quando adultos, especialmente em espécies que são mais dependentes dos pais. Então, um filhote faria naturalmente o imprinting com a sua mãe e aprenderia todas as habilidades de sobrevivência, como a caça e defesa. Infelizmente, grande parte da população não possui o conhecimento de que o contato com esses filhotes pode condená-los a viver em cativeiro.

Algumas espécies, apesar de terem contato com humanos nos primeiros meses de vida (oferta de mamadeiras, higienização, biometria), não desenvolveram comportamentos dóceis, como os três tamanduás-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) que foram encaminhados órfãos ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) de Catalão (GO), ainda filhotes e com menos de um mês de vida. Concluído o processo do desmame, os filhotes foram remanejados para outro recinto, onde a alimentação é oferecida em comedouros, além da oferta de cupins. Atualmente, estão sendo preparados para o retorno à natureza e estamos otimistas com a soltura, pois eles não toleram a presença humana.
Claro que tais comportamentos variam muito de indivíduos e espécies, mas no caso desses três indivíduos, o rompimento do contato direto, que é restrito apenas para a realização do estritamente necessário, auxiliou no comportamento menos social.
Infelizmente, isso não ocorreu com felinos encaminhados ao Cetas. Todos que chegaram ainda filhotes apresentavam dependência da presença humana, ou seja, já eram imprintados e a chance de reintrodução é quase nula. Geralmente chegam com alguma debilidade, ferimento e magros devido à alimentação inadequada. Recentemente, recebemos um filhote de gato-mourisco (Herpailurus yagouaroundi), recolhido em uma fazenda próxima a Catalão. O histórico que nos foi passado é semelhante ao de outros filhotes de felinos que nos foram encaminhados: o filhote estava sozinho (ou com outros filhotes), porém sem a presença da mãe, e os cães, ao sentir o cheiro, o acuaram (alguns casos chegando a agredir).

Ainda em reabilitação devido ao quadro clínico delicado em que foi encaminhada, a pequena Pandora, como foi carinhosamente batizada a fêmea de gato-mourisco, vem respondendo bem ao tratamento administrado e a dieta oferecida. No entanto, com o comportamento tão social, a sua reintrodução é improvável que ocorra.
Afinal, o que fazer então quando avistar um filhote sozinho?
Recentemente, tal resposta foi tema da coluna Saúde, Bicho e Gente, em artigo escrito pela médica veterinária Cátia Dejuste de Paula, que utilizou um esquema bem didático feito pela Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens (Abravas). Complementando esse esquema, nem todos os mamíferos fazem ninhos, mas utilizam tocas ou simplesmente escolhem locais para deixar seus filhotes, como os gatos-mourisco, que utilizam áreas de canaviais. Nesses casos, comunique ao órgão ambiental competente.

Não cuide de animais silvestres e nem solte na natureza quando julgar que ele esteja pronto. Ele não saberá como sobreviver. Entre em contato com o órgão ambiental competente do seu município para que sejam feitas as intervenções, se assim for necessário.
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