Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
transportes@faunanews.com.br
Todos sabem que a maioria das espécies de anfíbios, em alguma época do ano, desloca-se dos ambientes onde desenvolvem boa parte das atividades da sua vida juvenil/adulta (tudo aquilo que garante a sobrevivência do indivíduo) para os ambientes onde acontece a reprodução (atividade fundamental para a sobrevivência da espécie). Após o período de acasalamento (adultos) ou de desenvolvimento inicial (recém-nascidos), acontece o movimento de volta, partindo dos sítios reprodutivos para os ambientes em que passam o restante do ano. Esse movimento de vai e vem de indivíduos se repete, ciclo após ciclo.
O problema é quando no meio desse caminho tem uma rodovia. E quanto mais movimentada a rodovia, pior é. Anfíbios em geral não apresentam comportamento de evitar um veículo em aproximação (como acontece com cachorros-do-mato espertos ou experientes) e por isso são atropelados aos milhares durante esses eventos de deslocamento entre os seus ambientes preferenciais. Já escrevemos sobre algumas estimativas assombrosas que produzimos para algumas estradas aqui do sul.
Comprovadamente, a implantação de passagens de fauna especificamente desenhadas para este grupo, associadas a cercas direcionadoras, tem sido uma solução bastante efetiva para diminuir as fatalidades. Mas há uma série de detalhes que precisam ser conhecidos, para se obter os melhores benefícios dessa estratégia. Uma das decisões importantes a serem tomadas é a distância máxima entre duas passagens de fauna vizinhas. Se implantadas próximas demais, o resultado é desperdício de recursos já que as passagens excedentes poderiam ser implantadas em outros locais. Se implantadas distantes demais, uma elevada proporção da população migrante não vai encontrar uma passagem e, com isso, completar a sua jornada.
Um estudo na Holanda, com base em captura, marcação e recaptura de sapos comuns e duração de três anos, evidenciou que apenas 30% dos indivíduos marcados que tentaram se deslocar para o outro lado da estrada conseguiram alcançar o objetivo. Os sapos que encontraram uma passagem para a travessia, ao se depararem com a cerca, deslocaram-se em média 120 metros costeando a mesma. Os sapos que não usaram as passagem deslocaram-se em média 40 metros antes de desistirem e voltarem para o ambiente de origem ou outra direção malsucedida. Ao longo de aproximadamente mil metros de cerca foram instaladas apenas duas passagens, distantes entre si cem metros. Os autores identificaram a impossibilidade de acessar ou retornar dos sítios reprodutivos, em virtude dessa configuração do sistema de mitigação, como uma das prováveis razões para um declínio de 75% da população reprodutiva nos anos que se seguiram à sua implantação.
Três são as mensagens importantes desse estudo: (1) não basta implantar medidas mitigadoras, sendo muito importante planejá-las bem e monitorar a sua efetividade; (2) no caso de anfíbios, fortemente dependentes do deslocamento entre dois ambientes distintos para a garantia da natalidade, a redução de fatalidades nas rodovias que separam esses ambientes não necessariamente implica em manutenção das populações e (3) a definição da densidade de passagens de fauna e da extensão das cercas deve ser subsidiada por uma boa compreensão dos locais preferenciais de travessia e das distâncias de deslocamento ao longo de cercas direcionadoras de cada espécie ou grupo alvo.
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